Teto de gastos é uma bala de prata?

No plano fiscal, o governo Temer quer ter sua marca registrada: a aprovação de uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC) para limitar o crescimento do gasto público de um ano à inflação do ano anterior durante 20 anos.

Como o governo já nasce com maioria de 2/3 em ambas as casas do Congresso Nacional é muito provável que a PEC seja aprovada (depois de dar uma passadinha pelas mãos dos Drs. Victor Frankensteins que devem alterar seu texto), já que são necessários 3/5 dos votos.

Mas vamos lá: se a parte principal da PEC for aprovada e o gasto público ficar mesmo limitado, qual seu efeito no endividamento? Fizemos duas simulações básicas para mostrar que mesmo se aprovada, a nova legislação não é suficiente.

  Cenário Pessimista: – Inflação de 4,5% a partir de 2020 – Resultado Primário de 1,5% a partir de 2020 – Juros reais de 5,5% a partir de 2017 c_pessimista  

Caso o crescimento seja anêmico, o que traria um crescimento bem baixo das receitas, o resultado é que nossa dívida continuaria em trajetória ascendente e a PEC não teria muito efeito para reduzir a relação Dívida/PIB.

Cenário Base: – Inflação de 4% a partir de 2020 – Resultado Primário de 2,5% a partir de 2020 – Juros reais de 4,5% a partir de 2017 c_base

As premissas são bem mais realistas, visto que já fizemos resultados primários acima dos 2,5%, os juros reais no Brasil ficam em média nesse patamar entre 2007 e 2015 e estamos contando com o Banco Central cumprindo seu papel, que a partir de 2018 é de entregar a inflação em 4,0%.

Bem, com tal cenário, a dívida pública começa a cair, mas não em velocidade grande o suficiente para derrubar o endividamento rapidamente. Ou seja, teremos que fazer um esforço maior, ou o que chamamos de Cenário Otimista.

  Cenário Otimista: – Inflação de 4% a partir de 2020 – Resultado Primário de 3,5% a partir de 2020 – Juros reais de 3,5% a partir de 2017 c_otimista Pronto. Se fizermos um esforço fiscal maior e contarmos com uma sorte de as taxas de juros internacionais ficarem baixas, conseguiremos colocar a dívida em rota descendente de forma rápida.

Problema resolvido? Óbvio que não. Como o diabo mora nos detalhes, vamos a dois deles:

1) Emenda constitucional e não lei

Políticos sofrem de uma doença que os economistas deram o nome de “inconsistência temporal”. Nada mais é do que prometer algo no futuro, e quando o futuro se tornar presente, verificar que nada daquilo foi cumprido. O que fazer para ter credibilidade? Atar as mãos! Escolhe-se emendar a constituição ao invés de se criar uma lei para limitar o gasto público. É simples.

Caso um novo governo entre no poder e queira elevar o gasto público, terá de reformar a constituição novamente. Ou seja, terá de obter maioria qualificada. Algo nem tão simples quanto a aprovação/modificação de leis complementares.

Neste ponto, largamos bem e estamos indo pelo caminho correto. Tome como exemplo o Banco Central que possui sua atuação regulada por lei complementar. O que aconteceu recentemente? Alguns abusos do poder executivo na elaboração da política monetária – as mãos não estavam corretamente atadas.

2) Cumprimento da lei

Tão importante quanto o formato jurídico é que a constituição seja cumprida neste caso e que os mecanismos de alteração do texto da lei sejam os mais rígidos possíveis, afinal, estamos falando em amarrar para trás as mãos durante 20 anos.

Caso um novo surto da doença que infecta os políticos ocorra, o que poderá ser feito? Mudança da constituição novamente para acomodar o comportamento desvirtuado na letra da lei.

Imaginemos que um governo gaste em um ano acima do limite imposto pela constituição. Será que teremos mais um processo de impeachment para sacar o mandatário que violou a CF88 emendada? Ou será que o presidente contará com ampla maioria no Congresso para fazer vista grossa ou modificar a Constituição?

Ou seja, mesmo que aprovada, a PEC ainda deve ser cumprida durante 20 anos e sua violação deve ser severamente punida. E convenhamos que o Brasil não prima muito pelo cumprimento de leis e por punições a violações legais.

Conclusão: além do esforço fiscal hercúleo que devemos fazer (mas que não é impossível, uma vez que já o fizemos com o pé nas costas) é preciso ficar atento aos mecanismos que vão regrar o comportamento do governo no uso dos recursos. O início é promissor, já que optamos por uma emenda constitucional que pode disciplinar de forma mais eficaz a atuação de nossos governantes. Mas sempre fica aquela pulga atrás da orelha em um país que preza por interpretações pouco ortodoxas da letra da lei.

  palhuca           ERRATA: *No artigo originalmente publicado, divulgamos o gráfico do Cenário Base com os dados de um Cenário Pessimista que realizamos. O gráfico do Cenário Otimista continha equivocadamente os dados do Cenário Base. Para não haver problemas, divulgamos no artigo corrigido os 3 cenários que traçamos com os dados corretos. Pedimos desculpas pelo erro e agradecemos ao leitor Gabriel Nemer Teboury do Estado Mínimo pelo alerta.

Leonardo Palhuca

Doutorando em Economia pela Albert-Ludwigs-Universität Freiburg. Interessado em macroeconomia - política monetária e política fiscal - e no buraco negro das instituições. Escreveu para o Terraço Econômico entre 2014 e 2018.
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