Uma ode ao consumo de carne bovina

Nos últimos anos, sobretudo durante o turbulento pleito eleitoral de 2022, muito se falou sobre o avanço dos preços dos cortes bovinos e os ventos contrários trazidos por esse fato, que, como tudo no Brasil e no mundo, ganhou contornos políticos.

GRÁFICO 1– Boi gordo, cotação em R$/arroba Fonte: CEPEA. Elaboração: Daniel Bozz

Ao analisarmos o Gráfico 1, fica claro o salto nos preços a partir de meados de 2020, ano marcado pelo início da pandemia de Covid-19.

Contudo, é importante destacar que após uma mudança brusca na conjuntura econômica, aos poucos, o ciclo da pecuária se faz notar, por muitas vezes, da seguinte forma.

O Ciclo de abate

Embora a relação entre o aumento da oferta e a queda de preços pareça óbvia, é necessário considerar o período de maturação de um animal até o abate. A idade em que é feito o abate depende de fatores como a nutrição, o tipo de animal a ser abatido, as condições financeiras e econômicas, incluindo o custo de capital do pecuarista e de mercado. Por aqui, a idade média dos animais abatidos ronda os três anos, o que mostra baixa elasticidade da oferta no curto prazo – esse aspecto será importante para o entendimento do todo, dado que a capacidade de resposta à mudança de preços nesse mercado é fraca.

Logo, em função das características da pecuária bovina, uma oferta “excedente” que leve à queda de preços pode causar, num primeiro momento, uma oferta ainda maior, até o ponto em que a impossibilidade de atender à demanda começa a gerar uma elevação de preços.

Ao contrário do boi, que tende a ser abatido ao atingir determinado peso e idade, o abate das fêmeas depende da decisão do produtor rural, que pode, por vezes, optar pela retenção de suas matrizes. Assim, torna-se relevante o acompanhamento da taxa de variação do abate de bois com a variação do abate de vacas, o que mostra os reflexos diretos do cenário econômico e das perspectivas futuras nas decisões do criador.

A demanda por carne no Brasil

Superado esse momento, ao avançarmos na pauta, perceberemos que o consumo de carne bovina por pessoa no Brasil efetivamente aumentou na passagem de 2022 para 2023. Esse avanço, de cerca de 2 kg em média, ajudou com que o consumo per capita chegasse bem próximo aos 40 kg, ilustrando a ocorrência de um fenômeno bastante comum em economia: a presença de bens substitutos.

O hiato deixado pela falta de carne bovina na mesa dos brasileiros foi preenchido, em larga medida, pelo frango. O consumo deste aumentou e se manteve como a proteína mais demandada anualmente no país, reinando soberano desde meados de 2016, conforme dados estimados pela Associação Brasileira de Proteína Animal (ABPA). Em 2023, o boi gordo registrou redução de preço de 14,8%, segundo dados da CEPEA, depois de uma alta no ano imediatamente anterior. Os preços dos suínos, por sua vez, recuaram de maneira bem mais modesta, enquanto os ovos, alternativa para obtenção de proteína em tempos de preços elevados, registraram aumento expressivo no mesmo período.

GRÁFICO 1– Consumo de proteínas animais selecionadas. Fonte: ABIEC e ABPA. Elaboração: Daniel Bozz

Ademais, não posso deixar de mencionar as influências do mercado externo nessa moderação de preços dos cortes bovinos. Com a suspensão das exportações à China, em meados de março de 2023, por conta da suspeita que pairava sobre a proteína brasileira devido aos casos atípicos da doença da vaca louca, o mercado interno recebeu uma dose extra da dita, o que motivou queda de preços e reascendeu a demanda doméstica – antes deprimida pelos patamares de preços praticados.

O preço da carne vai subir?

Ainda sobre os fatores macroeconômicos que contribuíram para o avanço do consumo de carne bovina, o aumento do poder de compra, leia-se desinflação em curso, sem dúvida, contribuiu de forma decisiva nesse ambiente – mérito de Roberto Campos Neto e sua equipe, que souberam resistir aos turbulentos meses que antecederam o mar mais calmo pelo qual velejamos, que seguiram fiéis ao plano de que visava, e visa, a reancoragem das expectativas inflacionárias de maneira duradoura. Feita essa observação, reforço que o índice para alimentos foi um dos principais responsáveis por moderar a alta do IPCA, ao avançar algo como 1% no acumulado de 2023 – variação modesta ante o ano de 2022.

A conjuntura atual me faz apostar na possibilidade, não desprezível, de percebermos um novo aumento da retenção de fêmeas à frente. Caso esse cenário se materialize, e tudo mais constante, o ciclo deverá recomeçar com um novo movimento de alta nos preços como consequência. Essas mudanças poderiam expressar apenas a continuidade de um processo que já ocorre há muitos anos, motivo pelo qual torna-se arriscado vincular a tendência dos preços observada nos últimos meses com políticas públicas de curto prazo ou ainda com candidatos de qualquer espectro ideológico.

Em suma, o modus operandi dos menos abastados e de boa parte dos agentes de mercado me parece bastante simples: quando a oferta é maior e, por consequência, os preços se mostram moderados e estáveis, o consumo aumenta. Sem surpresas.

Daniel Bozz
Mestre em Economia do Desenvolvimento pela PUC-RS, MBA em Finanças, Investimento e Banking pela PUC-RS e graduado em Ciências Econômicas pela Universidade de Caxias do Sul.

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