Soluções mágicas e equivocadas

“Se a culpa existe é da legislação hipócrita sobre campanha política que tem nesse país”

Paulo César Farias, o PC Farias, tesoureiro da campanha de Fernando Collor de Mello em depoimento durante a CPI que investigou os desvios do então presidente em 1992.

Qualquer semelhança da frase acima com algumas declarações recentes por parte de emissários do governo não é mera coincidência.

A cada crise política que envolve o financiamento de campanha, o principal argumento por parte daqueles que são flagrados cometendo algum delito é: o financiamento privado de campanha me forçou a criar um esquema de propinas.

Na esteira de argumentos dessa natureza, surgem soluções simplórias e que soam muito bem aos nossos ouvidos no momento de ira contra práticas obscuras entre empresas e governo. A principal delas: financiamento público de campanha – no extremo, proibição das doações de empresas para políticos.

Mas seria o financiamento público de campanha efetivo em acabar com os seguidos casos de corrupção que vivenciamos no Brasil? E ainda: é possível ter um sistema de financiamento público de campanha que funcione corretamente?

É muito difícil obtermos respostas definitivas para as questões acima. Não temos como observar dois países idênticos e aplicar um sistema de financiamento em cada um e analisar os resultados em termos de desvios de conduta. Ficamos, assim com algumas ideias e considerações que podem nos ajudar a entender que o problema não é o financiamento, mas as outras regras que regem o sistema político:

  • O primeiro ponto que precisamos entender com clareza: as empresas doam (legalmente ou ilegalmente) para candidatos ou partidos na esperança de obterem benefícios quando o candidato financiado for eleito. Não estamos falando de corrupção, Caixa 2. Simples doações já fazem isso.
  • Se os políticos controlam muitos recursos que beneficiam ou prejudicam empresas e a mudança de regras por meio de leis ou ganho de um contrato público trazem bons retornos às empresas, é de se esperar que haja um jogo de barganha entre os que controlam os benefícios e os potenciais beneficiários.
  • Com muitos recursos/benefícios a serem controlados por políticos (e não por regras institucionalizadas), ser eleito passa a ser muito lucrativo, tanto pelo lado do recebimento de doações antes das eleições quanto pelo lado de controlar os recursos disponíveis (contratos públicos, mudança de leis que favorecem setores da economia) e usar esse poder para obter ainda mais recursos para a reeleição (seja pessoalmente ou via partido político).
  • Se os recursos que podem ser controlados geram bons retornos pessoais, a corrida para por a mão nesses recursos pode ser cara. Muito cara. Mas uma vez eleito, recupera-se tais custos facilmente.

Assim, passemos para a hipotética reforma política que proíba o financiamento de campanhas por empresa. O que acontecerá, caso as regras de financiamento não sejam muito bem respeitadas ou aplicadas e os benefícios obtidos tanto pelas empresas quanto por políticos continuem altos? Bem, as práticas pouco ortodoxas de barganha devem continuar.

Além disso, introduzir mais um mecanismo de controle de recursos nas mãos de políticos pode ser muito contraproducente: se eu fosse eleito e controlasse quem receberia recursos para competir comigo…bem, eu não daria nem um centavo ao meu potencial adversário. Resta, então, aos proponentes do novo sistema explicar como um financiamento de campanha vindo dos cofres públicos selecionaria os potenciais candidatos que receberiam financiamento para tentar se eleger, sem interferência dos atuais eleitos.

Caso haja uma proposta clara e crível de um mecanismo de financiamento público de campanha que consiga resolver os problemas acima, estamos abertos a ouvi-la.

Talvez uma solução mais inteligente e eficaz seria reduzir os benefícios obtidos por um candidato eleito ou aumentar a chance de se perder qualquer vantagem de um cargo público caso seja flagrado em qualquer desvio de conduta.

Peguemos o caso da Petrobras como exemplo: se a prerrogativa de nomear diretores fosse retirada da esfera política (seja por requisitos mínimos para ocupar os cargos, seja, no extremo, pela a total privatização da nossa querida empresa), os recursos desviados nos contratos fraudulentos poderiam ser reduzidos drasticamente.

Mais um exemplo anedótico: se os mecanismos de licitação de obras públicas fosse aperfeiçoado, aumentando a participação de empresas e a competição nos leilões, reduzindo a possibilidade de conluio, os lucros extraordinários nesse setor seriam reduzidos e, assim, menos atrativo seria corromper um político. E ainda nos daria obras públicas mais baratas.

Nossos dois exemplos ilustram que mudanças de regras bem menos complexas podem trazer benefícios à sociedade com incerteza menor que a de uma grande reforma política, no discurso aparentemente isenta de qualquer efeito colateral. Em ambos os exemplos, reduz-se o controle de recursos econômicos por parte de políticos, tanto por regras para empresas listadas em bolsa, quanto por desenhos de leilões mais competitivos.

Além disso, pense em um hipotético caso de alinhamento de interesses entre empresas e eleitores: suponhamos que o eleitorado favoreça uma reforma trabalhista, algo que muitas empresas apoiariam. Não seria desejável, nesse caso, que empresas doassem para a campanha de candidatos que prometam uma reforma trabalhista?

Claro que nem só de críticas vive a proposta de financiamento público. Em países ou estados onde foi implementado (bem, onde as regras são muito mais respeitadas que nas terras onde canta o sabiá), houve um efeito positivo de atrair mais candidatos com os custos de campanha mais reduzidos.

Como sempre, o diabo está nos detalhes. Soluções mágicas surgidas ou requentadas em momentos de crise servem somente para atrair olhares desatentos e não nos garantem nada em termos de redução de práticas de corrupção ou melhoria da qualidade de nossos representantes. Uma boa ideia seria primeiramente tentar aplicar as nossas regras de forma efetiva para avaliarmos corretamente se o problema é o sistema de financiamento ou o alto retorno (monetário) de se eleger. Tendo a achar que o problema é dar muito poder econômico a homens sem a mínima capacidade de gerir os recursos públicos.

palhuca            

Leonardo Palhuca

Doutorando em Economia pela Albert-Ludwigs-Universität Freiburg. Interessado em macroeconomia - política monetária e política fiscal - e no buraco negro das instituições. Escreveu para o Terraço Econômico entre 2014 e 2018.

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