Sobre a renegociação das dívidas estaduais

Muitos estão me perguntando o que achei da medida anunciada ontem a esse respeito. Entendo que o governo seguiu o caminho correto: concederá a extensão do prazo e interromperá temporariamente os fluxos de pagamento, mas exigirá contrapartidas importantes. Não há outro caminho.

Aí vão dez pontos sobre o assunto:

1 – Só existem três formas de financiamento das ações do setor público: a) dívida pública, b) imposto e c) emissão de moeda. Cada uma tem seu custo, respectivamente: a) juros, b) perda de eficiência e bem-estar e c) inflação.

2 – Os estados não podem emitir dívida e não podem emitir moeda. Só lhes resta o imposto e a receita de transferências, que são um pedaço do imposto arrecadado centralmente pela União (IR e IPI).

3 – As políticas de desoneração mal planejadas feitas nos últimos anos reduziram uma boa parte dessa arrecadação partilhada via fundo de participação dos estados e municípios e a atividade econômica deu o golpe de misericórdia nas receitas dos estados.

4 – Diante disso, a expansão promovida no gasto dos governos subnacionais – similar à observada no âmbito da União – passou a gerar déficits sucessivos e, assim, a impulsionar a dívida pública.

5 – A renegociação de dívida feita em 1997, por meio da lei nº 9.496, levou a que os estados assumissem um compromisso de amortizar, em 30 anos, o saldo devedor perante à União. Os juros foram fixados em IGP-DI + 6% (podendo chegar a 9% em casos específicos).

6 – Passados quase 20 anos, podemos dizer que o acordo funcionou, sim, já que as finanças estaduais melhoraram, até 2010, e os estados – com duas exceções – tiveram sua relação dívida/receita significativamente reduzida e mantida bem abaixo do limite de 200%.

7 – O problema é que a conjuntura econômica combinada com políticas erradas voltou a desorganizar as finanças do setor público. Além disso, o indexador utilizado descolou dos juros da dívida federal mais longa, criando um ganho para a União em prejuízo dos estados.

8 – A renegociação – ainda que pareça coisa de mau pagador – tornou-se imperativa. Ou o governo dava um jeito ou assistiríamos a uma série de estados seguindo a toada do Rio de Janeiro e decretando calamidade pública. Afinal, é dever do governo central manter a coesão do país.

9 – Ao interromper os pagamentos do serviço da dívida até dezembro e criar uma escadinha, como disse o presidente, para as parcelas que voltarão a ser pagas no ano que vem, dá-se um fôlego para os governadores, que terão de cumprir as condicionalidades fixadas, essencialmente, interromper a escalada de salários do serviço público.

10 – Vejo, portanto, com bons olhos a ação anunciada ontem. Feita de maneira planejada e organizada, a renegociação vai permitir que, até que o país volte a crescer, o Brasil não vá à bancarrota.

Felipe Salto é economista pela Escola de Economia de São Paulo da FGV, e publicará em agosto o livro “Finanças Públicas: da contabilidade criativa ao resgate da credibilidade, pela Editora Civilização Brasileira”.

*Artigo publicado originalmente no Blog do Salto (https://blogdosalto.wordpress.com/2016/06/21/10-pontos-sobre-a-renegociacao-das-dividas-dos-estados/)

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