A relação entre O Mágico de Oz e a Economia

Você sabe qual a relação entre a história do Mágico de Oz e a Economia?

Pois é, na verdade esta relação já foi difundida por alguns autores, inclusive podendo ser encontrada em qualquer livro-texto de macroeconômica na seção sobre inflação[1]. Mas acho válido refrescar este assunto, pois trata-se de uma das obras mais populares e também da história.

A história do Mágico de Oz não foi feita apenas para crianças, aliás, originalmente este público não era o destino correto de tal obra. A história foi criada por Frank Baum, escritor e roteirista americano nascido em Nova York, mas que viveu um período da sua vida em Dakota do Sul (a partir de 1888), onde teve diversas experiências econômicas ruins que o levaram a escrever o Mágico de Oz, adaptando a descrição do lugar onde a protagonista – a menina Dorothy – mora (Kansas) para esta realidade.

Se você não conhece a história, aqui vai um resumo[2]:

O Mágico de Oz conta a história de Dorothy Gale, uma órfã que vivia numa fazenda do Kansas com seus tios e seu cachorro chamado Totó. Num dia habitualmente cinzento, um ciclone acaba por se centralizar bem sobre a casa de Dorothy […] levando a garota para a terra de Oz.

Quando ela chega lá, [..] Dorothy recebe os sapatinhos prateados mágicos de uma das bruxas da região […] e vai em direção à Cidade das Esmeraldas, que é onde o mágico de Oz vive. E ela precisa encontrar esse todo poderoso mágico para pedir que ele lhe ajude a voltar para o Kansas.

A história quase todo mundo já sabe por antemão, mas para chegar à Cidade das Esmeraldas, Dorothy tem que seguir por uma estrada de tijolos amarelos na qual ela encontra outras três figuras incríveis: o Espantalho, o Lenhador de Lata e o Leão Covarde. E esses três personagens se juntam à Dorothy para também encontrar Oz e, cada um, pedir algo para ele: o Espantalho quer um cérebro para pensar como os homens, o Lenhador de Lata um coração para amar e o Leão Covarde quer coragem para ser o destemido Rei dos Animais.

A partir do encontro desses três personagens eles passam por diversas aventuras até a conclusão da história de cada um.

Pois bem, apesar do enredo aventuroso da obra, há diversas mensagens subliminares do autor em relação à sua opinião sobre economia monetária, ainda que este não seja obviamente o seu forte. Assim, vejo me obrigado a te situar no tempo histórico do autor.

O autor escreveu a obra logo após uma das eleições presidenciais considerada pelos cientistas políticos como uma das mais dramáticas e complexas da história americana: A eleição de 1896, na qual o republicano William McKinley venceu o democrata William Jennings Bryan.

Mas o que isto importa? Bem, dentre diversos debates desta eleição, havia aquele que confrontava a ideia da volta do padrão bimetálico no país. Mas … o que é isto e qual sua importância?

Em meados de 1785, por diversos motivos que não convém discorrer, os Estados Unidos adotaram um padrão monetário em que as pessoas usavam a moeda de prata e ouro como forma de dinheiro e depois como lastro para os dólares, usando a prata mais para fins comerciais e guardando o ouro em casa para fins de reserva de valor.

Pois bem, logo no início da Guerra de Secessão (ou Guerra Civil dos Estados Unidos) em 1861 uma crise bancária que vinha desde 1857 obrigou o país a abrir mão do padrão-prata, embora esta moeda não tenha saído de circulação imediatamente, sendo que durante o período 1860-1871 ocorreram várias tentativas de ressuscitar os padrões bimetálicos. Logo após esses eventos, houve a chamada Grande Recessão (1873-1879) que gerou uma onda deflacionária em nível mundial, aumentando o interesse pela rudimentar disciplina de economia monetária e os efeitos da moeda sobre o preço. Dentre esses estudos, no final do século 19 já começava a se desenhar fortemente a tão conhecida Teoria Quantitativa da Moeda (TQM)[3], que elucida, em sua adaptação mais teórica, que o nível dos preços é determinado pela quantidade de moeda (no caso prata e ouro) em circulação. Em outras palavras, quando você reduz a oferta de moeda (por exemplo ouro e prata), há uma deflação na economia, e o contrário também é válido.

[caption id="attachment_7043" align="aligncenter" width="554"]oz Fonte: Fed Minneapolis e Anderson (2003). Elaboração própria.[/caption]

Assim, Frank Baum sofria influência de um longo período recessivo cujas causas têm raízes monetárias, seguida de um dos debates eleitoreiros mais acirrados do país. De um lado estava uma campanha liderada por Bryan, candidato democrata, que apresentou uma defesa apaixonada dos agricultores e operários lutando para sobreviver contra a depressão econômica e atacando os proprietários das grandes cidades como a causa de grande parte do sofrimento econômico – principalmente defendendo a volta do padrão bimetálico (da prata, sobretudo). De outro lado, estava William McKinley, o candidato republicano, que fez campanha com uma plataforma de preservação do padrão ouro vigente.

Frank Baum se encontrava do lado de Bryan no debate do padrão monetário que os EUA deveriam adotar, de alguma forma acreditando que a volta da prata ajudaria aumentar a liquidez da economia e acabando com os riscos de novos períodos recessivos e deflacionários.

Voltando à história do Mágico de Oz, vamos enfim fazer alguns apontamentos:

  • A estrada de tijolos amarelos: É o caminho percorrido pelos personagens na trama e representa o padrão ouro. Vale lembrar também que “Oz” é a forma abreviada de onça, uma medida de ouro (Ounces to Grams, que é abreviação para oz to g).
  • Sapatos prateados de Dorothy: Permitem à protagonista viajar mais confortavelmente em cima da estrada de tijolos amarelos, simboliza o desejo pelo padrão bimetálico de ouro e de prata no lugar do padrão-ouro. Enquanto a menina caminha pela estrada áspera e irregular de forma tranquila, seu primeiro companheiro – o Espantalho – tropeça e cai várias vezes, dando uma ideia subjetiva de que o fato de Dorothy andar tranquilamente mostra que o padrão bimetálico funciona. Ao longo do livro, a maioria dos personagens não sabe a magia por trás dos sapatos de prata, sendo que só ao final da história Dorothy descobre que os sapatos de prata têm o poder de levá-la de volta para Kansas. Baum possivelmente tenta aludir para o fato de que o padrão bimetálico teria sido uma solução para a crise econômica o tempo todo, embora ninguém “visse”. Assim, uma vez que Dorothy usa-os para voltar para Kansas, ela percebe que “os sapatos prateados tinham caído durante seu voo, e foram perdidos para sempre no deserto[4]“, indicando que assim como eles foram perdidos, a luta para o padrão bimetálico começou a desaparecer em 1900, após a derrota da disputa eleitoral e a descoberta de ouro no Alasca, na Austrália e na África do Sul, que levou a aumentos da oferta monetária e dos preços.
  • Espantalho: Enquanto viajava para a Cidade Esmeralda, Dorothy encontra um Espantalho que teria a função hipotética de representar um Agricultor. O Espantalho acredita que é um tolo, sendo que sua cabeça está cheia de palha e sem cérebro, sinalizando como a parte mais rica do país enxergava estes trabalhadores, bem como eles mesmos acabam se vendo. Além disso, as quedas do Espantalho sobre a estrada de tijolos amarelos assemelham-se aos danos sofridos pelos agricultores devido à deflação provocada pela escassez de moeda durante a crise.
  • Lenhador de Lata: O próximo companheiro que Dorothy encontra na estrada de tijolos amarelos é o Lenhador de Lata, que sinaliza a ideia do trabalhador industrial oprimido. O homem do século 19 teve que se comportar como uma máquina, desumanizando o trabalhador simples, de modo que ele tenha de ser sempre mais rápido, assemelhando-se a uma espécie de máquina (por isto a alusão ao homem de metal). Além disso, ao passar por uma chuva, o Lenhador de Lata fica enferrujado na mesma posição por muito tempo até Dorothy (munida do sapatinho de prata) passar óleos em suas articulações para libertá-lo. Este tempo paralisado traça um paralelo com desemprego dos trabalhadores durante a crise passada.
  • Leão: Este personagem é o próprio político populista das eleições presidenciais de 1986 – William Jennings Bryan, o qual Baum apoia. Dizem que seu porte alto e de voz grossa, faziam sua figura política se assemelhar a um leão e seu rugido. Ao longo do livro, o Leão é muito solidário com o Espantalho, sinalizando a relação do político populista com o trabalhador do campo. Vale lembrar também que, na história, o Leão é tido como covarde, na alusão do período em que Bryan foi acusado como covarde por não apoiar a guerra dos EUA com a Espanha (a Guerra Hispano-Americana de 1898).
  • O Mágico de Oz: Ele é o líder nacional de Oz, portanto, sendo também adequado compará-lo ao Presidente dos Estados Unidos. Os políticos têm sido conhecidos por ter muitas faces, para tentar agradar a tudo e a todos. No enredo, o grande e terrível Mágico de Oz concorda em encontrar-se com cada viajante (que vieram pela estrada de tijolos amarelos) separadamente, o que lhe permite alterar sua aparência para melhor atender cada personagem. Mais para frente, o grupo descobre que o mágico é uma farsa, sendo na verdade apenas um “homem comum” que fez com que todos acreditassem que ele era poderoso. O Mágico de Oz fez promessas que não poderia cumprir, como fizeram muitos políticos na época de Baum, chegando a afirmar mais tarde “[…] todas essas pessoas me obrigam a fazer coisas que todo mundo sabe que não pode ser feitas”[5], mostrando que ele foi capaz de enganar os outros, porque os outros estavam dispostos a ser enganados, mas mostrando-se incapaz de entender os poderes dos sapatinhos de prata.

Há diversas outras referências no livro em relação ao contexto americano da época, inclusive os macacos-alados. O fato é que essa tão famosa história, tida como infantil, é repleta de mensagens ocultas de um período onde os escritores conseguiam trazer para a fantasia, problematizações corriqueiras, mostrando quão ricas são as obras clássicas da literatura mundo a fora. Um dos exemplos máximos disso são as obras do próprio William Shakespeare, mas esta é uma conversa para outra hora.

Last but not least, recomendo fortemente assistirem o filme do Mágico de Oz (1939) numa versão de internet muito famosa, onde a trilha sonora é substituída pelo álbum Dark Side of The Moon do Pink Floyd. A experiência é tão única quanto ler este texto.

Arthur

Editor do Terraço Econômico

[1] O livro de Macroeconomia do Mankiw é um bom exemplo disto.

[2] http://www.literature-se.com/2014/02/resenha-o-magico-de-oz.html

[3] A influência da quantidade da moeda no nível de preços já era percebida desde Nicolau Copérnico, que observou o aumento dos preços, reflexo da importação de ouro e prata utilizados na cunhagem de dinheiro, a partir da descoberta do então “Novo Mundo”. A equação conhecida havia sido iniciada por John Stuart Mill, que expandiu as ideias de David Hume, seguido por economistas como Irving Fisher e Ludwig von Mises, contemporâneos à obra do Mágico de Oz.

[4] Do original “The Silver Shoes had fallen off in her flight through the air, and were lost forever in the desert”.

[5]A passagem toda, apontando inclusive que ele desconhecia os benefícios dos sapatinhos de prata (padrão bimetálico): Oz, left to himself, smiled to think of his success in giving the Scarecrow and the Tin Woodman and the Lion exactly what they thought they wanted. “How can I help being a humbug,” he said, “when all these people make me do things that everybody knows can’t be done? It was easy to make the Scarecrow and the Lion and the Woodman happy, because they imagined I could do anything. But it will take more than imagination to carry Dorothy back to Kansas, and I’m sure I don’t know how it can be done.”

Arthur Lula Mota

Mestre em Economia Aplicada pela Universidade de São Paulo (USP/ESALQ) e Bacharel em Economia pela Universidade Federal de São Paulo. Já trabalhou no mercado financeiro, auxiliando mesa de operações de fundos institucionais e departamento econômico com análises macroeconômicas.

Um Comentário

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Yogh - Especialistas em WordPress