Propostas para dar marcha a ré

No ultimo sábado, o Partido dos Trabalhadores completou 36 anos de vida. Para celebrar a data, além das festividades o PT lançou um documento [1] para discussão entre seus membros com o intuito de propor soluções para a crise econômica que vivemos.

Mas apesar dos 36 anos de idade, as propostas econômicas parecem que não frequentaram as aulas iniciais do curso de economia. Pensando nisso, selecionamos 5 das 21 propostas para comentarmos. Quais os efeitos econômicos esperados? E mais importante: seriam capazes de nos tirar do atoleiro? A resposta você já sabe…

 

Proposta:

“Forte redução da taxa básica de juros como elemento fundamental para diminuir o déficit nominal da União, aumentar o investimento público, impedir a apreciação cambial, baratear o crédito e incentivar a retomada do crescimento econômico”

A começar pelo diagnóstico incorreto de que a taxa de juros é algo que o BC define ao léu, sem levar em conta demais variáveis e de que o Brasil precisa de mais demanda agora. Aliás, o diagnóstico equivocado que o Banco Central, via taxa de juros, pode influenciar o crescimento econômico (especialmente em prazos mais longos).

Como qualquer estudante de economia do primeiro semestre sabe, a taxa de juros definida pelo BC leva em consideração outros fatores, como inflação, expectativas, hiato do produto, condições externas etc.

Para aqueles que tiveram uma boa memória, no segundo semestre de 2011 o governo Dilma I adotou a estratégia de redução de juros. Dotada da “canetada”, reduziu na marra a Selic. O processo que se encerrou em meados de 2013 resultou em uma inflação em ascensão, queda dos investimentos em 3 dos últimos 4 anos (2012, 2014 e 2015) e sem contar em substancial perda de credibilidade do BC, conquistada a duras penas ao longo do tempo.

Os juros tem pouco efeito nos investimentos quando as expectativas são negativas e a incerteza quanto ao futuro é alta. Não é a única fagulha necessária para ativar o animal spirit dos empresários brasileiros. Juros altos, na verdade, são apenas o último sinal sintomático do grande desarranjo fiscal

Sobre o câmbio, vale ressaltar que as forças atuais de mercado em relação ao Real podem ser qualquer uma, menos de apreciação. Quem sabe chegamos no paraíso da Taxa de Câmbio de Equilíbrio Industrial?

Assim, a mágica solução proposta sequer avalia os impactos negativos imediatos da medida: maior inflação que também aumenta o custo da dívida, conforme argumentamos aqui.

 

Proposta:

Utilização de parte das reservas internacionais para um Fundo Nacional de Desenvolvimento e Emprego, destinado a obras de infraestrutura, saneamento, habitação, renovação energética e mobilidade urbana”

O Partido dos Trabalhadores vê o nosso estoque de reservas internacionais (aproximadamente de US$300 bilhões) como um dinheiro parado. Não enxergam que aquele montante de dinheiro pode ter evitado que tivéssemos uma crise externa com a atual queda econômica, pois é um colchão de liquidez em moeda “forte” e importante indicador de solvência do país.

A proposta tem como pano de fundo sanar nossas contas públicas, mas de um jeito meio sacana como não conseguimos equilibrar nosso orçamento, temos que ou cortar despesas ou aumentar receitas, semelhante a um simplório orçamento doméstico, ou vulgarmente conhecido como “conta de padeiro”

A brilhante ideia é: aumente as receitas temporariamente para financiar investimentos utilizando este “estoque” de capital ocioso. Pode parecer sensato à primeira vista, mas novamente não há nenhuma avaliação das consequências da proposta e dos efeitos colaterais na prática de tirar as reservas do Banco Central para financiar gasto público.

Os primeiros efeitos são: jogar mais lenha na fogueira inflacionária aumentando a demanda, corroer ainda mais o que sobrou de independência do BC (o guardião das nossas reservas) e entrar numa prática que não deu certo em lugar nenhum do mundo…alguém se lembrou, em tempos não muito distantes, da Argentina mandando prender o chefe do Banco Central?

 

Proposta:

“Revitalização do Plano de Aceleração do Crescimento (PAC), recompondo sua carteira para R$ 70 bilhões anuais”

Se com PAC I e PAC II, implementados em tempos de bonança e de razoável estabilidade política, não conseguimos aumentar permanentemente a nossa taxa de investimento e obter resultados de cunho estrutural, obviamente insistir no programa parece ser a solução.

Vejamos a taxa de investimento no Brasil e o PAC [caption id="attachment_6047" align="alignnone" width="867"]Fonte: IBGE. Elaboração própria. Fonte: IBGE. Elaboração própria.[/caption]

Bom, parece que nem o PAC I nem o PAC II não foram capazes de elevar significativamente o investimento no Brasil. E isso sem olhar outra variáveis que podem ter influenciado o investimento. Novamente o aluno do primeiro semestre poderia afirmar que para aumentar o investimento é necessário aumentar a poupança…não o gasto público!

A propósito, o valor de R$ 70 bilhões pode parecer gigante para nós, relés mortais acostumados às cifras nas centenas e quando muito nos milhares. Mas só representa 1,1% do PIB. Isso mesmo! Um por-cento e em um prazo mais longo que 1 ano. O que, em teoria, contribuiria basicamente zero para a nossa taxa de investimento anual! Pura bravata! E mesmo se fosse efetivo (como vemos que não foi em um prazo longo), não teria muito impacto no investimento.

Quanto a possibilidade de desvios destes recursos durante o processo, ficará para uma outra xícara de café…

 

Proposta:

“Expansão e barateamento do crédito para o consumidores, às micro e pequenas empresas, em movimento comandado pelos bancos públicos e lastreado pela redução dos depósitos compulsórios”

Outro grande erro dos economistas ligados ao PT é achar que as pessoas reagem àquilo que o governo institui. Esqueça! As pessoas reagem ao que é melhor para elas, de forma geral.

Logo, baratear o crédito para consumidores e para pequenas empresas soa nobre! Mas já perguntaram se as pessoas querem tomar empréstimos? Existe demanda para tal?

Segundo dados divulgados pelo Banco Central, o endividamento das famílias atingiu seu ponto máximo da série em 2015.

[caption id="attachment_6048" align="alignnone" width="867"]pt3 Fonte: Banco Central do Brasil. Elaboração própria.[/caption]

É racional pensar que as pessoas vão querer tomar mais crédito nesse momento de aumento de desemprego e com todos na defensiva? Falta um pouco de teoria econômica e análise de conjuntura aos elaboradores do documento. Demanda por crédito não é somente função da taxa de juros.

Proposta:

“Adoção de Imposto sobre Grandes Fortunas (IGF), com alíquota anual variável de 0,5% a 1,0% sobre os detentores de patrimônio líquido superior a oito mil vezes o limite de isenção previsto no Imposto de Renda para Pessoa Física (IRPF) do período arrecadatório”

Antes da crítica, um disclaimer: os autores não são contra progressividade de impostos, desde que façam sentido e não sejam somente uma retórica de aluno revolucionário de colegial. Este debate tem de ser feito de forma mais “calma” com a sociedade, não sendo apenas uma válvula de escape para os problemas fiscais do governo. O famosos “jogar para a torcida”.

A cereja do bolo da retórica canalha é a taxação sobre as grandes fortunas. Sim, há desigualdade no Brasil. Sim, há muita gente com grandes fortunas que você vai dizer que devem “contribuir” mais.

Entretanto, segundo estimativas do próprio Ministério da Fazenda (que devem ser otimistas para a arrecadação) o IGF arrecadaria 3,5 bilhões de reais por ano [2]. Estamos falando de 0,05% do PIB a mais na arrecadação. Com o déficit girando em torno de 10%, o IGF não faria nem cócegas nas nossas contas, sem contar a possibilidade de fuga de capitais e aumento (ainda maior) da sonegação

Ainda não sabemos na cabeça de quem faz sentido perder o escasso capital político que o PT ainda tem para aumentar imposto (somente um governante muito míope acha que vai ganhar votos ao aumentar impostos) que prevê arrecadar 0,05% do PIB.

Lembre-se: a missão (que até em alguma medida o PT se dedicou) de um governo não é trazer as pessoas do “andar de cima” para mais próximo do “andar de baixo”. E sim, trazer aqueles do “andar de baixo” mais próximos para o “andar de cima”. Pense nisso.

Muitas das propostas aqui comentadas remontam algumas da política públicas adotadas em 2008, período totalmente diferente da economia brasileira, e de que alguma forma favoreceram o país positivamente, mas que também criaram todas as bases para o imbróglio atual. O que o partido não entende (e não quer entender) é que a história não gira em círculos e que a conjuntura atual é totalmente diferente.

Parafraseando a atual presidente, em uma ocasião de quando analisou um plano econômico que não concordava, o documento lançado e as propostas nele contido, são no mínimo “rudimentares”

A conclusão geral é: o documento serve para gerar diversão e trabalho ao Terraço Econômico! Aprecie com [muita] moderação!

palhuca PEDRO (1) Notas: [1] http://www.pt.org.br/wp-content/uploads/2016/02/O-futuro-est—na-retomada-das-mudan–as.pdf [2] http://www2.camara.leg.br/camaranoticias/radio/materias/ULTIMAS-NOTICIAS/385444-IMPOSTO-SOBRE-GRANDES-FORTUNAS-PODE-GERAR-ARRECADA%C3%87%C3%83O-ANUAL-DE-R$-3,5-BILH%C3%95ES-(03’22%22).html  

Leonardo Palhuca

Doutorando em Economia pela Albert-Ludwigs-Universität Freiburg. Interessado em macroeconomia - política monetária e política fiscal - e no buraco negro das instituições. Escreveu para o Terraço Econômico entre 2014 e 2018.

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