No Brasil, o lucro ainda é pecado

“Sucesso no Brasil é considerado ofensa pessoal. ”

– Tom Jobim

A atual crise econômica e política brasileira oferece oportunidade para um momento de inflexão, de rompimento, talvez o minguar de uma era hegemônica de um partido. Assim como dizia Antônio Gramsci, filósofo italiano: “de uma grande hegemonia moral e intelectual”, pregada a ferro e fogo, que, para além de criar fisiologismo político, anestesiava certas distorções da sociedade brasileira.

Pois bem, além do óbvio ululante de que o país precisa recuperar sua sanidade fiscal, credibilidades nacional e internacional, bem como estabilidade econômica e política, o momento é oportuno para refletir sobre a cultura e costumes brasileiros. Sobre certos grilhões mentais que nos aprisionam desde tempos longínquos dos “amigos do Rei”, sob a justificativa da defesa dos justos direitos das minorias e dos oprimidos, do estatismo atrasado, uma idiossincrasia que demoniza o setor privado, os capitalistas, o mercado e qualquer forma perniciosa que busque o lucro excessivo (quem define o que é lucro excessivo?). Resumindo, sobre nossa cultura anticapitalista.

É importante ressaltar, também, que os autores não possuem uma visão Poliana da realidade, de abordagem apologética. É claro que capitalismo é sinônimo de desigualdade e, mesmo por conta disto, o que deve ser defendido é a igualdade de oportunidades, tendo como premissa que os homens possuem diferentes habilidades e que, portanto, teremos resultados diversos e, consequentemente, geração de heterogeneidades. E ainda, que este sistema é, até hoje, sem precedentes, o que mais gerou desenvolvimento, bem-estar e progresso para toda a civilização.

Então, julgamos importante evidenciar estas práticas ideológicas e retrógradas, retirar estes “esqueletos de armário”, que insistem em permanecer, como um mantra, no pensamento de certos segmentos da sociedade brasileiras e que estas reflexões sirvam de questionamento para o futuro.

Existe uma parte importante da opinião pública, promovida por influentes formadores de opinião, que pregam aos seus fiéis seguidores, o discurso de que o futuro do Brasil se dividiria entre: i) uma caricatura do “capitalismo selvagem” e ii) Estado paternalista de proteção social, que cuidaria de evitar estes excessos.

Temos uma cultura que abomina a competitividade, desconfia dos vitoriosos e valoriza os fracassados. A superação desses preconceitos é condição sine qua non para o desenvolvimento, geração de riqueza e protagonismo internacional.

Movimentos paquidérmicos da economia

A estagnação da economia brasileira pode ser explicada por vários motivos, desde a falta de dinamismo, o fracasso do modelo econômico pautado no populismo e no incentivo ao consumo conspícuo.

Para que um país se firme no mercado internacional, suas empresas devem encontrar seus caminhos para um diferencial de competitividade e produtividade em relação a seus concorrentes comerciais. Esse diferencial, que deve poder ser explorado por seus cidadãos para garantir o progresso do país, possui diversos exemplos, como os chocolates e relógios suíços, o café colombiano (e, em outros tempos, o brasileiro), os vinhos italianos, franceses e portugueses, os eletrônicos coreanos, japoneses e chineses, e diversos outros.

Para que todos esses países, e diversos outros, encontrassem seus diferenciais, muitas vezes se beneficiaram dos incentivos corretos de seus Estados[1].  Seria desonestidade não assumir isso. Porém, se os incentivos e distorções passassem de certo ponto, de intensidade ou duração, sua “competitividade” internacional estaria sendo baseada em gastos públicos internos, para uma geração de lucros que, muito provavelmente, não seria apropriada proporcionalmente pelos mesmos contribuintes que bancaram o subsídio. Para não perdermos a outra mão de vista, se o Estado deixa seus empreendedores carentes de infraestrutura, apoios e incentivos, pode ser que estes não consigam encontrar seu caminho para a pujança comercial para a qual foram destinados.

Todos os tipos de incentivo geram distorções; porém, se no final das contas essa distorção será positiva ou negativa para o país, vai depender de diversas variáveis que o situam no cenário internacional, e caracterizam-no internamente. Os manufaturados chineses e de demais asiáticos, por exemplo, apresentam uma competitividade que, indubitavelmente, é conquistada graças à visível mão do Estado na economia. A qualidade de vida de seus trabalhadores e o crescimento econômico da China, porém, são os resultados a serem equacionados.

No Brasil, contudo, muitas vezes empresas parecem mais sobreviver ao Estado do que terem motivos para agradecê-lo[2]. Não podemos nos esquecer, também, de que os criadores de empregos e riqueza no capitalismo são as empresas e os empreendedores, não o Estado.

Com uma carga tributária de proporções gigantescas e com claras tendências de crescimento, sobretudo após a constituição de 1989, a sociedade brasileira vem paulatinamente observando o não-retorno desta como distribuição de riqueza, da promoção de igualdade e incremento da qualidade dos serviços públicos, como educação, saúde, infraestrutura e segurança.  Mais ainda, quando os “amigos do Rei são beneficiados por incentivos perniciosos (que não geram desenvolvimento), e também sem contar o escândalo das pensões e aposentadorias, são assim que se tornam um dos principais responsáveis pelo o rombo fiscal atual.

Vamos a alguns números…

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Tom Jobim, entre uma bossa e outra, encontrava tempo para refletir sobre a cultura brasileira.

Ótimo de Pareto ou racionalidade econômica? Aqui não, talvez péssimo de Pareto.

O ótimo de Pareto é uma situação teórica de equilíbrio, onde a eficiência alcançaria um estágio ótimo, promovendo uma alocação de recursos e bem-estar para os agentes em que ninguém possa ganhar mais, sem que, para isso, outros tenham que perder. É claro que, dada a complexidade da sociedade atual, torna-se quase impossível chegar a este ponto, pois os equilíbrios são muito dinâmicos e complexos… Mas gostaria de pedir ao leitor que observasse atentamente o gráfico abaixo sob a luz de Pareto. Talvez esta seja a maior e mais simbólica distorção do período recente da economia brasileira.

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Fonte: Ministério do Trabalho e Previdência e IPEA, (dados de fechamento de dezembro de cada ano).

Repare-se que a partir de 2003, no começo do governo de Lula, felizmente o desemprego caiu muito, passamos de 10,9% em 2003 para 5,3% em 2010, uma justa e válida conquista da sociedade brasileira. Mas o descalabro pousa nos gastos com seguro desemprego e abono salarial, este apresentando um aumento real de aproximadamente 185%. A lógica econômica explica?

Em parte, muitos podem defender que foi em decorrência do próprio processo de formalização do mercado de trabalho e, com certeza, do aumento do salário mínimo real. Ainda assim, tais fatores não justificam este aumento descabido, e que comprometerá seriamente as contas públicas, dado que foram encontradas diversas irregularidades e fraudes quando a caixa de pandora foi aberta. Não faz sentido um mercado de trabalho em larga expansão, e os gastos relativos a seguro desemprego (e outros benefícios do gênero) explodindo.

Sem contar o fator psicológico, que acabar por gerar um enorme incentivo à inação, à acomodação, pois o agente econômico tem clara segurança de que receberá mensalmente um incentivo pecuniário para manter a mediocridade e sua zona de conforto. Novamente, o péssimo de Pareto. Nesse sentido, torna-se possível concluir que o problema não jaz nos direitos trabalhistas, que per se são justos; e sim, na forma errada que estes são aplicados.

Vamos à outra jabuticaba brasileira. Observem a tabela a baixo:

Beneficiados por transferências diversas do Governo Federal (R$ bilhões)

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Fonte: Governo Federal.

BPC: Benefício de Prestação Continuada.

Obs: Tabela originária do livro “Capitalismo Modo de Usar”

São os benefícios, sempre eles.

Nota-se claramente, que os benefícios aumentaram, em valores absolutos, por volta de 100% no seu valor total desde 2003, políticas estas sem nenhuma contrapartida ligada à produção, ao objetivo de aumentar a produtividade e melhorar a competitividade. Evidentemente que programas como bolsa-família, seguro desemprego e abono salarial são essenciais para manter a civilidade do país e trazer segurança para as relações de trabalho, e que nenhum político em sã consciência irá encerra-los; porém sobre estes dados, sobretudo de seu absurdo crescimento, podem-se tirar algumas conclusões:

  1. O paternalismo histórico, a crença de que todas as mazelas do povo devem ser solucionadas pelo “Pai dos pobres”, que permeia a sociedade brasileira tanto no campo econômico quanto cultural. Ou seja, o cidadão espera a ajuda vir “de cima”, e não a partir do esforço pessoal ou da dedicação e, se tratando de uma economia de mercado, da valorização da meritocracia e de instituições sólidas.
  2. Existe no país um descompromisso total com políticas que incentivem a produtividade. Tal problema está intimamente ligado ao primeiro, uma vez que, do cidadão médio aos engravatados de Brasília, todos acreditam que o bem-estar da nação depende preponderantemente das políticas do Estado e, claro, do comprometimento dos pomposos com os interesses da população e não a decisão isolada  e soberana dos indivíduos.
  3. Evidencia nosso modos operandi, pois indiretamente, o desleixo histórico do Governo em investir na educação, principalmente desde a constituição de 1988, sendo que os avanços comparativamente aos benefícios acima, foram muito modestos, e atualmente a “Pátria Educadora” eclipsou.
  4. Por fim, o atual rombo das contas públicas pode encontrar sua justificativa nesta política de expansão de benéficos e transferências sem contrapartidas, ou seja, o eterno descaso com as finanças públicas, sobretudo com ao descompromisso com o tripé macroeconômico, em especial com o superávit primário. Assim, vivemos o eterno drama do default do Estado, gerando custos para toda a sociedade, refletido em dívida pública, carga tributária, taxas de juros e, claro, falta de qualquer estabilidade não somente econômica como também social, e credibilidade sobre o futuro.

Capitalismo Brasileiro, qual o próximo capítulo?

Acreditamos, estimado leitor, que a grande questão atual que o país enfrenta é: Qual o papel do Governo para que uma economia capitalista funcione bem, e promova o desenvolvimento? 

Infelizmente, temos um Estado fiscalmente exausto diante do volume de compromissos que se incumbiu a assumir. E claro, estruturalmente, a realidade brasileira é marcada pela falta de iniciativas oficiais voltadas para o aumento da produtividade e da eficiência econômica.

Para o país progredir, precisamos, de uma vez por todas, nos assumirmos como uma economia capitalista. Tanto a sociedade civil, as empresas e cidadãos, quanto o Estado e o corpo burocrático. O papel do governo será fundamental para liderar uma agenda de reformas.

A sociedade brasileira precisa se acostumar com a ideia de que, no mundo de hoje, a competição é a regra, o consumidor impera e quem não se preparar para esse desafio, logo menos será expelido dos grandes fluxos comerciais e de inovações (vide Venezuela). Isso é valido para mercado de trabalho, para o trabalhador, no mercado doméstico, para as empresas e, na economia internacional, para os países. Quem não avançar, ficará obsoleto.

Acostumamos corriqueiramente a depender do investimento público para dinamizar toda a economia, mas isto é uma armadilha por si só. Devemos sempre lembrar do investimento privado. Relembrando as palavras de Gustavo Franco, ex-presidente do BC:

“Este que é determinado de forma descentralizada, sempre individual, se trata de um profundo processo social, são várias decisões que exigem uma atmosfera favorável, com previsibilidade, uma carga tributária razoável, custo de capital adequado, macroeconomia estável (faz tempo que essa inexiste), marco regulatório consolidado, mercado de capitais como um dínamo de financiamento, investidores sedentos pela tomada de risco, valorização do empreendedorismo e do investidor estrangeiro e por último, mas não menos importante, intervenções discricionários do Estado reduzidas.”

O sistema livre de preços deve prevalecer, pois são um rápido e eficiente transmissor de informação. Em uma sociedade como a brasileira, onde a vasta gama de conhecimento fragmentado deve ser coordenada, isso se torna fundamental; caso contrário, temos as bizarrices que ocorreram no setor de energia e com a Petrobras para servir de exemplo [3].

Por fim, é válido uma abordagem epistemológica sobre o atual sistema, em uma tentativa de equilibrar dois valores nem sempre perfeitamente compatíveis: liberdade e igualdade. Felizmente para uns, infelizmente para outros, o sistema que mais se aproximou desse (talvez utópico) equilíbrio ainda é o capitalismo. Se o ser humano é inerentemente diverso nos mais variados aspectos, a desigualdade é intrínseca à espécie. O que se deveria garantir no Brasil, portanto, é a igualdade de oportunidades, para que, nessa disputa que se inicia antes mesmo da formação do embrião, todos tenham pontos de partida equivalentes.

Por outro lado, a liberdade, se esta deve garantir que o indivíduo conquiste algum destaque com suas ideias e trabalhos e o mantenha sob direito inalienável, pode também, no longo prazo, oferecer condições iniciais injustamente vantajosas para sua descendência e próximos, em comparação com descendentes e próximos de indivíduos não tão bem-sucedidos assim, sem necessariamente um auxílio ou incentivo estatal.

A liberdade total, portanto, tende a inviabilizar a igualdade de oportunidades. Nessa tentativa de equilíbrio, o balizador tem sido o voto, com o sufrágio universal [4] possibilitando que, se essa liberdade produz discrepâncias de mercado, não gere discrepâncias sociais e políticas, ou, ao menos, que essas sejam controláveis. A desigualdade, enquanto produto da liberdade, pode ser gerada pelo sucesso, e não pode ser, portanto, de todo ruim. Mas, enquanto estimular uma degradação social, deve ser mitigada na urna.

No Brasil, o lucro (ainda) é pecado e a cultura anticapitalista é arraigada, porém os ventos da mudança já sopram, e no longo prazo, se tudo certo, o contrato social brasileiro deverá mudar para melhor.

Felipe Luca de Albuquerque, economista FEA-USP

Pedro Lula Mota, editor Terraço Econômico

Leitura recomendada :http://www.travessa.com.br/capitalismo-modo-de-usar/artigo/6e18afb5-fc6e-4165-a92e-91133eee4fa7.

[1] Ver o livro Chutando a Escada – A Estratégia do Desenvolvimento em Perspectiva Histórica, de Ha-joon Chang [2] Quem não se lembra do ProAlcool?

[3] http://www.valor.com.br/valor-investe/casa-das-caldeiras/3232618/maldicao-do-controle-de-precos

[4] O sufrágio universal, em oposição ao sufrágio restrito, consiste na extensão do sufrágio, ou o direito de voto, a todos os indivíduos considerados intelectualmente maduros (em geral os adultos).

Pedro Lula Mota

Economista pela UNICAMP, como passagem pela Universidade do Porto - Portugal. Admirador da arte da fotografia, principalmente de lugares extremos e excêntricos.

2 Comentários

  1. Conheci pessoalmente várias pessoas que foram aos EUA para trabalhar e se deram muito, mas muito bem mesmo.
    Gente simples que trabalha nos chamados subempregos americanos e que mesmo assim conseguem levar uma vida digna.
    Como que pessoas que não falam a língua e não conhecem os meandros da cultura local, conseguem só com o seu simples trabalho o que jamais conseguiriam aqui no Brasil?
    Para mim a resposta é simples, a diferença só pode estar no país, um dá mais oportunidades do que o outro.
    O seu texto apresenta a teoria do que muito gente conheceu na prática, parabéns pela boa explicação.

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