Mesmo com fim da recessão, desemprego continuará subindo

Uma das piores facetas da nossa recessão econômica (a qual alguns já denominam depressão econômica) é a elevação do desemprego.

Em setembro, o número de desocupados no país chegou a 12 milhões, o equivalente a uma taxa de 11,8% do total da população economicamente ativa, sendo a maior taxa de desemprego da série histórica do IBGE (segundo os dados da PNAD). Portanto, dado o alto nível do desafio, é válido fazer algumas pontuações e alertas.

Tão logo o presidente Temer saiu da interinidade para a oficialidade, ocorreram ventos no mercado e na mídia de que as coisas iriam “parar de piorar” e, em algum momento, o país poderia voltar aos trilhos do crescimento. É bem verdade que a maioria das projeções de atividade tanto para 2016 quanto para 2017 melhoraram, ainda que de forma marginal, dando a impressão de que a economia brasileira tinha atingindo finalmente o fundo do poço.

Hoje, avaliando os resultados já conhecidos, temos uma grande frustração para o terceiro trimestre – resultado baixo da indústria e dos setores mais ligados à renda das famílias, como comércio e serviços[1].

Seja no último trimestre ou no começo do ano que vem, o PIB brasileiro deve parar de cair, voltando ao terreno positivo. Isto, além de emblemático, dado que estamos desde o segundo trimestre de 2014 em recessão, alimentará diversas esperanças e questionamentos. Dentre elas, temos a questão do mercado de trabalho.

Sim, o mercado de trabalho será uma grande polêmica, embora facilmente explicada – o que não impedirá alguns grupos organizados e barulhentos de se aproveitarem da situação.

O fato que quero chamar atenção aqui é: mesmo com a atividade voltando a crescer, com perspectivas duradouras de taxas positivas, o desemprego continuará subindo.

Ai você certamente perguntará: mas como é possível a economia crescer e o desemprego também? A lógica básica diz exatamente o contrário.

Então, a relação não é tão simples e direta assim.

A variável emprego é Retardada por natureza, no sentido literal da palavra. Retardo, você sabe, é uma palavra que vem do latim Retardus[2], onde “Re” dá intensidade e “Tardus ”o que atrasa, o que vem depois”. Portanto, retardar só pode ser algo que vem depois, como é o caso do mercado de trabalho em relação a atividade. Difícil? Eu mostrarei de uma forma melhor.

Nos gráficos abaixo temos as evoluções trimestrais desde 2000 da taxa de desemprego e da variação do PIB brasileiro acumulada nos últimos quatro trimestres. O nossos PIB, até a última leitura do segundo trimestre do ano, está acumulado queda de 4,9% em relação aos quatro trimestres imediatamente anteriores. Por sua vez, como apresentado no início do texto, a taxa de desemprego encerrou o terceiro trimestre em 11,8%.

[caption id="attachment_8102" align="aligncenter" width="730"]desemp1 Fonte: IBGE. Elaboração própria.[/caption]

Pois bem, há vasta literatura econômica analisando a relação entre as duas variáveis, mas a conclusão mais comum é de que primeiro a atividade econômica começa a recuar, e depois de algum tempo o nível de emprego o faz. Da mesma forma, quando a atividade econômica começa a subir, o nível de emprego demora um pouco mais para fazer o mesmo. O tamanho deste hiato entre um acontecimento e outro depende da rigidez do mercado de trabalho de cada país.

Países com sindicatos fortes e com elevado custo de demissão e admissão costumam apresentar um maior retardo entre a variável emprego e a atividade econômica. Este é o caso do Brasil.

O gráfico abaixo uniu os dois superiores, com uma modificação: o eixo da taxa de desemprego foi invertido, para que quando ela subisse em termos numéricos, recuasse em termos visuais – imitando o movimento do PIB.

[caption id="attachment_8103" align="aligncenter" width="730"]desemp2 Fonte: IBGE. Elaboração própria.[/caption]

Logo de cara é possível perceber que a amplitude das variações da atividade é maior, dada a rigidez da segunda variável. Se não houvesse barreira nenhuma para a demissão e contratação, num mercado mais próximo do desregulamentado, provavelmente estas duas variáveis cairiam e subiriam juntas.

O fato é que, quando olhamos para a recessão de 2009, a variável emprego não sentiu tanto como a atividade. Isto remete à brevidade da recessão – foi um longo mergulho seguido de uma rápida e vigorosa recuperação, não dando tempo para os empresários construírem um consistente sentimento de pessimismo e entrarem num processo de destruição de vagas.

A recessão presente é diferente. Percebam que a atividade econômica já começa a desacelerar logo depois de 2011, com o fim do boom das commodities e uma desaceleração global. Por outro lado, a variável emprego seguiu pujante, por alguns motivos que vale a pena destacar: i) o governo federal utilizou de todos os aparatos fiscais, que nos levaram ao buraco atual, para desestimular artificialmente as demissões, como por exemplo as desonerações; ii) se já há naturalmente um delay entre as variáveis, no Brasil o custo de demissão, admissão e treinamento são altíssimos, fazendo com que o empresário pense mais de duas vezes em demitir um sujeito que ele demorou para treinar[3], sendo que logo mais ele terá de contratar outro e iniciar o mesmo processo. Era preciso ter muita certeza da recessão, o que não se tinha, dados os imensos esforços (fracassados) do governo em retardar a desaceleração.

Um dos impactos deste fenômeno foi a vitória petista nas eleições. A recessão brasileira começou no segundo trimestre de 2014, antes da eleição presidencial. Como um presidente consegue se reeleger em meio a uma recessão? Uma das explicações é que a variável de emprego ainda não tinha sido atingida, sendo que a taxa de desemprego ainda chegaria em sua mínima histórica durante as eleições – o povo ainda não tinha sentido na pele.

Assim que o ano eleitoral virou, as mentiras se cessaram e a presidente finalmente foi obrigada a admitir que a crise não estava batendo na porta, e sim já estava sentada no sofá da casa, emitindo um sinal incontestável para os empresários acabarem com os seus estoques de emprego. As demissões começaram em massa.

Desde então, as duas variáveis trilharam um destino só: o abismo.

E o depois? E o amanhã?

Bom, o fundo do poço está muito próximo e já devemos começar a apresentar PIB no primeiro trimestre de 2017. Utilizando as projeções do boletim FOCUS para o PIB, foi possível estimar o desempenho futuro da taxa de desemprego brasileira. O resultado veio conforme o esperado; enquanto a atividade mostra reversão da tendência e volta ao terreno positivo, a taxa de desemprego segue no grande mergulho.

A explicação é a mesma já dada. Os empresários primeiro precisam retomar a confiança de que a economia voltou ao eixo – isto será feito via percepção do retorno da demanda – ocasionando numa reocupação da capacidade ociosa de suas empresas. Só depois voltarão a recontratar, quando atingirem o limite da sua capacidade em relação a produção vigente e a expectativa da produção futura. O gráfico abaixo ilustra estes movimentos, mas já escrevi sobre isso em maio – O futuro do crescimento brasileiro.

[caption id="attachment_8104" align="aligncenter" width="730"]desemp3 Fonte: IBGE, Banco Central    Elaboração do autor[/caption]

Outro ponto é que durante esses dois anos de intensa recessão, muitas empresas simplesmente não existem mais, ou seja, simplesmente não irão recontratar. Não será possível criar novas empresas na mesma velocidade que elas foram destruídas recentemente.

Assim, em meados de 2017 ocorrerá o seguinte: veremos números positivos dos indicadores de atividade, sobretudo do PIB, e o desemprego irá continuar subindo. Aí começaram as brigas de bar entre “esquerda” e “direita” quanto as causas, efeitos e equívocos.

Mas você, leitor do Terraço Econômico, já estará preparado para isto e munido das explicações.

Arthur Lula Mota

Editor do Terraço Econômico

[1] Este último também possui forte ligação com o desempenho da indústria.

[2] Permita-me esse momento cultural.

[3] Aqui é sempre importante lembrar do nível de qualificação baixa da nossa mão de obra.

Arthur Lula Mota

Mestre em Economia Aplicada pela Universidade de São Paulo (USP/ESALQ) e Bacharel em Economia pela Universidade Federal de São Paulo. Já trabalhou no mercado financeiro, auxiliando mesa de operações de fundos institucionais e departamento econômico com análises macroeconômicas.
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