Impeachment: uma punição branda pela irresponsabilidade fiscal

“Art. 4º São crimes de responsabilidade os atos do Presidente da República que atentarem contra a Constituição Federal, e, especialmente, contra:

(…)

VI – A lei orçamentária;

VII – A guarda e o legal emprego dos dinheiros públicos;”

O artigo acima é da Lei 1.079 de 1950, a famosa Lei do Impeachment. O artigo 73 da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) prevê que suas violações podem ser punidas com o impeachment, fazendo referência à Lei 1.079.

Com o processo de impedimento a todo vapor, com a presidente Dilma Rousseff já temporariamente afastada de suas funções e após a entrevista coletiva do novo ministro da Fazenda na última sexta-feira soubemos qual o tamanho do buraco fiscal que Dilma e sua equipe econômica deixaram para trás. Um desfalque de R$ 170,5 bilhões, ou de aproximadamente 3% do PIB de 2016. O rombo terá de ser coberto via aumento de dívida, venda de patrimônio, aumento da carga tributária e redução dos gastos públicos.

Com todo esse descalabro fiscal que violou a Lei de Responsabilidade Fiscal o que posso afirmar é: a punição ficou barata demais para Dilma e seus assessores econômicos. Aos amantes do esporte bretão e conhecedores da regra, Dilma deu um carrinho por trás na economia brasileira e recebeu somente um cartão amarelo. À irresponsabilidade fiscal deste porte, caberia uma punição muito mais severa.

Apesar de parecer para muitos um conceito um pouco vago, o equilíbrio fiscal é um dos pilares que garante a estabilidade macroeconômica, ou seja, baixa inflação e um ambiente propício para que os agentes possam planejar, investir e, ultimamente, para que o país possa crescer sem o receio de que a qualquer momento o governo vá aumentar seus gastos irresponsavelmente e adotar políticas econômicas das alcovas para fechar a conta: aumento da carga tributária e/ou aumento da inflação.

E todo arcabouço que rege o funcionamento das contas públicas foi cuidadosamente construído na década de 90 para impedir que tais episódios de descalabro fiscal ponham em risco o futuro dos que estão entrando no mercado de trabalho. Trocando em miúdos: leis como a LRF servem justamente para evitar que políticos inflem o gasto público durante seu mandato e joguem os custos para os próximos governos.

O raciocínio é simples: aumenta-se hoje o gasto em programas que vão beneficiar os eleitores no curto prazo mesmo sem as receitas necessárias para realizá-lo. Ao não ter a receita, aumenta-se a dívida pública que somente será paga pelos próximos governantes – ou pelas próximas gerações que entrarão no mercado de trabalho e terão que arcar com maior carga tributária.

E aqui eis o que teremos de fazer para recolocar a casa em ordem e quanto tempo levará para arrumar o estrago da irresponsabilidade.

i) Em 2016 teremos uma redução da ordem de 3,9% do PIB e um déficit primário próximo a 3% do PIB.

ii) Com o nosso custo da dívida beirando os 9%, o nosso déficit nominal em 2016 ficará próximo de 12% do PIB.

iii) Para que estabilizemos a dívida, precisaremos cortar gastos e/ou aumentar a receita pública, de forma a gerar um superávit primário de 4% do PIB para arcar com os custos da dívida e reduzi-lo ao longo do tempo.

iv) Claro que isso não se faz de um ano para outro. Se 2016 está perdido, em 2017 a meta deverá ser zerar o déficit e aumentar gradativamente o resultado primário para atingirmos os 4% em 2020 e ai sim estabilizar a nossa dívida pública.

Todo esse esforço permitirá uma redução gradual no gasto com juros da dívida, que ajudará também na sua estabilidade. Colocando tudo isso num simples gráfico, se seguirmos o receituário acima levaremos quase 10 anos para colocarmos a nossa dívida novamente em uma rota descendente. Para acelerarmos o processo, podemos recorrer a soluções paliativas, como a venda de ativos para abater um pouco a nossa dívida.

[caption id="attachment_6850" align="aligncenter" width="856"]Fonte: Banco Central do Brasil. Elaboração própria. Fonte: Banco Central do Brasil. Elaboração própria.[/caption]

Assim, ao ignorar a Lei de Responsabilidade Fiscal que havia disciplinado a atuação fiscal e garantido certa estabilidade macroeconômica para um crescimento moderado, Dilma Rousseff não violou somente uma regrinha boba. Ela e sua equipe de economistas colocaram pelo menos meia geração para arcar com a conta da irresponsabilidade (chamemos de irresponsabilidade o que pode ser chamado de má fé) fiscal.

A década a seguir no Brasil está praticamente perdida e as reformas para que possamos (oxalá) crescer novamente de forma sustentada serão dolorosas e que sirvam de lição para sermos mais vigilantes com o conceito até então vago de “estabilidade fiscal”.

Mas como penitência, Dilma e seus brilhantes policymakers – a saber: Guido Mantega, Márcio Holland, Nelson Barbosa, Arno Augustin, Luciano Coutinho – sairão da vida pública, manterão seus privilégios de servidores públicos aposentados e muitos ainda dirão que não foram culpados pelo ocorrido.

A punição é muito branda!

palhuca

Leonardo Palhuca

Doutorando em Economia pela Albert-Ludwigs-Universität Freiburg. Interessado em macroeconomia - política monetária e política fiscal - e no buraco negro das instituições. Escreveu para o Terraço Econômico entre 2014 e 2018.

2 Comentários

  1. Temos que manobrar nossas condutas daqui pra frente com essas atitudes de má fé na nossa cabeça, para tomarmos boas decisões em tudo. Em algum momento essas boas decisões superarão as más decisões de nossos atuais políticos, trazendo o Brasil para um patamar completamente novo, e melhor que esse atual.
    O caráter e a cidadania são os atributos que mais devem ser trabalhados no nosso dia-a-dia – de um país acostumado com um “jeitinho” maldito, que só traz resultados negativos pra nós, além de diminuir a confiança de outros em nós.
    Vamos tomar como exemplo outros casos de irresponsabilidade, que foram corretamente medicados, e se transformaram numa revolução mundial, como a Revolução Francesa. Se Luis XVI e Maria Antonieta não tivessem sido tão irresponsáveis (mesmo com os altos gastos com o exército), a ponto de despontar uma crise financeira forte, talvez a revolução nunca tivesse acontecido, e o mundo não seria o que é hoje.
    Sejamos otimistas e oportunos em dar uma nova cara ao nosso Brasil.

  2. Acho interessante que ao citarmos os gastos públicos, se passe por alto do principal deles que é a despesa com o pessoal desnecessário. Como os municípios e estados também nunca fazem a lição de casa, e estão proibidos de contrair empréstimos externos sem autorização da União, graças a Deus, uma medida simples mas honesta e de justiça, seria diminuir o limite com o gasto com pessoal, hoje na casa de até 60%, para, digamos, 45% numa primeira canetada.
    Pergunta que não quer calar: – Por que os trabalhadores, friso, os trabalhadores da iniciativa privada podem ser tranquilamente dispensados para que as empresas se adéqüem aos novos níveis econômicos (culpa dos governantes), e os, na sua maioria sem trabalho do setor público, tem cadeira cativa ?
    Numa estimativa de fácil comprovação, se fosse autorizada, chegaríamos à conclusão que a metade das 11 milhões de pessoas que estão nas folhas de pagamento do setor público, estão sobrando. Atrapalham. Isto daria por ano R$ 260 bi de economia. De quanto é o rombo ? R$ 170 bi ? Pois é.
    http://capitalismo-social.blogspot.com.br/2016/02/66-novo-sistema-eleitoral.html

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