A economia do compartilhamento e a sociedade do custo marginal zero

Imagine-se no início da década de 90, quando os primeiros microcomputadores passaram a ser vendidos em escala industrial; cidadãos comuns, famílias e empresas adquiriam crescentemente a mais nova tecnologia, desde o Am486 ao Pentium 4, dos disquetes aos CDs com enormes 50mb de memória, da internet discada, dos programas pitorescos e dos comandos em telas pretas do MS-DOS.

Quem naquela época poderia prever o nível de desenvolvimento que alcançaríamos atualmente?

Pois bem, podemos dizer que atualmente encontramo-nos em um estágio semelhante. O início de uma nova onda tecnologia se forma, talvez para os mais atentos o movimento é evidente: já se estabelece nas start-ups, empresas de coworking, empresas com impressoras 3D, moedas digitas, aplicativos para compartilhar carros e casas, celulares ultra potentes capazes de controlar diversos aparelhos, redes sociais densas e o principal, a queda significativa dos custos – e consequentemente dos preços.

Aos poucos, um novo sistema emerge, com efeitos de longo prazo em todas nossas vidas.

E este não é um devaneio solto no ar. Um dos principais disseminadores desta ideia é o americano Jeremy Rifkin, autor do livro “The Marginal Cost Society” [1], advogando que o capitalismo passará por uma profunda transformação na segunda metade do século XXI, no qual depois de muito tempo em que a lógica econômica dominou todas as esferas da vida, um novo paradigma econômico surge: o custo marginal zero.

Pausa para explicação: o termo custo marginal é um conceito bem difundindo no mundo das finanças e economia, e que corresponde ao acréscimo no custo total na produção de um bem, quando aumentamos a quantidade produzida em uma unidade [2]. Então, no caso, o custo marginal se torna tão baixo que irá tender a zero para se produzir mais bens.

Nessa toada, o progresso da tecnologia e das inovações será tão intensos/eficientes que reduzirão o custo marginal a zero em toda a cadeia de valor, fazendo com que os bens e serviços essencialmente com preços muitos baixos, fundando uma economia colaborativa e altamente conectada, em uma nova forma de gerar riqueza, não focada na acumulação de capital.

Teremos assim o surgimento – já existem – dos prossumidores (junção de consumidor + produtor), estes que começaram a produzir seus próprios serviços e bens, compartilhando experiências, formando tendências e principalmente, contribuindo para o processo de inovação e do aumento da produtividade. E atrelado a estes, teremos a internet integrada a uma densa malha logística, também compartilhada pelos usuários e com custo zero.

Muito abstrato?

Na Alemanha, isso já vem ocorrendo. Em algumas casas é possível ter geradores domésticos de energia solar, então após pago todo o investimento inicial (e esporadicamente com a manutenção do aparelho), seu custo marginal de ter energia em casa tende a zero, afinal a luz solar (ainda) não é paga. Além disso, já existe uma rede compartilhada de compra e venda de energia entre os usuários; portanto, se um dia um usuário for passar uma temporada viajando ou tiver uma “sobra” de energia, poderá revender sua energia via rede social, gerando eficiência, economia e baixo custo para toda a cadeia.

Tomemos outro exemplo: recentemente, no Canadá, foi impresso o primeiro veículo por uma impressora 3D e que ainda funciona a energia solar [3]. O carro chama-se Srati, e suas peças foram todas impressas e o material é todo reciclável, então se um belo dia você enjoar do seu possante, poderá derrete-lo e transforma-lo em um esportivo. A sua velocidade ainda é baixa, 60 km/h, mas com certeza, no longo prazo, novas tecnologias surgirão para potencializar seu uso e novamente, derrubar os custos de produção, sendo que atualmente o tempo médio de produção de um veículo é de até 30 dias, e o do impresso via impressoras 3D é de 44 horas.

[caption id="attachment_7069" align="aligncenter" width="695"]Veículo poderá ser derretido e dar forma a novo carro (Foto: Mashable Veículo poderá ser derretido e dar forma a novo carro (Foto: Mashable)[/caption]

Outra iniciativa que começa a ganhar espaço são os Fab Labs (fabrication laboratory), nascendo alguns anos atrás no MIT, no famoso Center for Bits and Atoms, em uma disciplina chamada How to do (almost) anything.  São fabricas abertas ao público em geral, para fomentar a educação técnica informal, proporcionando ambiente de inovação por meio de impressoras 3D, máquinas de corte a laser, softwares de programação, etc. Em São Paulo já foi inaugurada uma garagem fab lab, que disponibiliza cursos, workshops e um ambiente favorável para disseminar o conhecimento da fabricação própria para os cidadãos comuns. Já imaginaram o poder inventivo de longo prazo dessa inciativa? Se em um futuro não muito distante, existirem fab labs em cada bairro, proporcionando um movimento escala de inovação e criação de novos objetos e ferramentas conectadas.

Existem também outra grande área que são as Fintechs (Financial + Technology), que são empresas inovadoras, normalmente start-ups, voltadas ao mundo financeiro, mas com um grande viés tecnológico, ou seja, a partir de estruturas enxutas e de alto valor agregado conseguem oferecer aos usuários serviços de qualidade a um preço muito menor que os grandes monopólios dos bancos. A exemplo do Nubank no Brasil, que oferta cartões de créditos sem tarifas a seus clientes. A Vérios Investimentos, que a partir de robôs com inteligência artificial, conseguem replicar alocações eficientes para os investimentos e derrubar as taxas cobradas (o que gera um ganho no logo prazo gigantesco para o investidor). Temos também as empresas de empréstimos financiados P2P, como o BIVA, onde os usuários penduram seus projetos a serem financiados (a uma taxa muito menor do que os bancos) e investidores financiam, sendo remunerados também a taxas maiores.

Eu não poderia deixar de citar os milhares aplicativos e sites de compartilhamento que surgem a cada semana, são redes sociais que compartilham:

  1. Aluguel de Residências: Airbnb, Couchsurfing HomeAway, HouseTrip e Roomorama, PetRoomie (para animais de estimação)
  2. Carros: Fleety, Parpe, Zazcar e PegCar
  3. Caronas: BlaBlaCar, CaronaSolidária e Otimocar
  4. Compra e venda de objetos e serviço: Quintaldetrocas
  5. Comidas: Eatwith
  6. Passagem de avião: Skyscanner e MaxMilhas
  7. Livros: Ebah,
  8. Financiamento Coletivo: Catarse, Kickante, Benfeitoria e meufinanciamentocoletivo

Dentre muitos outros.

Enfim, uma infinidade de opções que até então eram desconhecidas pelos usuários e que promove um choque direto nos monopólios de empresas (não é mesmo, taxistas?), derrubando os preços cobrados, os custos envolvidos e aumentando drasticamente o nível de interconectividade entre os usuários.

E como toda essa revolução também é proporcionada?

Com outro fenômeno recente conhecido como internet das coisas (internet of things), e que nasceu da hiperconectividade que nossos celulares possuem com programas e aplicativos, e que aos poucos vão se espraiando para outros aparelhos, como televisões, aparelhos domésticos, bikes, roupas, carros, elevadores, máquinas industriais e meios de transportes. A ideia então é que o mundo físico e o digital se unam, aparelhos como o Google Glass e Smartwatch, que nada mais são que óculos e relógios conectados com objetos e por sua vez, todos conectados à internet.

[caption id="attachment_7070" align="aligncenter" width="691"]A explosão de conectividade, fonte: Tarrysingh A explosão de conectividade, fonte: Tarrysingh[/caption]

Atualmente, temos mais de 30 bilhões de dispositivos conectados, na sua grande maioria celulares, mas no longo prazo a tendência de que outros objetos se conectem, chegando a marca de mais de 100 bilhões em 2030 em uma única rede.

Poderíamos passar páginas e páginas exemplificando os sinais desta nova tendência, gerando ganhos de escala incalculáveis, e que ganha ainda mais poder ao passo em que aumenta o número de usuários compartilhando informações e bens. A escala de crescimento é lateral – não mais horizontal – onde o sistema retribui a colaboração, criando uma grande comunidade.

Até mesmo nós economistas teremos de rever como nossa ciência aborda a economia, a sociedade e os agentes, pois com a queda substancial dos custos e consequentemente dos lucros, a acumulação perde espaço na lógica do sistema, precisando-se de muito menos tempo, capital e fatores de produção. O “capital social” passará a ter mais importância na vida das pessoas, com maior tempo para se dedicar a esportes, artes, cultura, qualidade de vida, novas inovações, pesquisa e etc. O conhecido “valor de troca” dos economistas clássicos será substituído pelo “valor de compartilhamento”, ao passo que as regras que regem a economia de mercado não mais condizem com o novo sistema.

Atualmente, mais de um terço da sociedade mundial está produzindo a própria informação e compartilhando-a por meio de vídeos, áudios e texto por um custo marginal próximo de zero.  Podemos estar muito otimistas com o futuro, ou esperando demais da nova revolução tecnológica; mas fato é que, nada é mais democrático, igualitário e empoderador ao cidadão do que dar-lhe a opção de compartilhar, comprar, criticar, produzir e criar.

O capitalismo está dando à luz um novo sistema – chame-o como quiser –  economia do compartilhamento, sociedade compartilhada, capitalismo 2.0, revolução dos robôs, mas a questão é: este é o primeiro novo sistema econômico a entrar no palco mundial desde o capitalismo e do socialismo. Esta nova realidade já vem mudando a forma como organizamos a vida econômica, oferecendo a possibilidade de reduzir drasticamente a divisão de renda, democratizar a economia global e criar uma sociedade mais ecologicamente sustentável.

Seguimos acompanhando pelos nossos smartphones!PEDRO (1)

[1] Para ler o livro: http://www.thezeromarginalcostsociety.com/

[2] Numa situação normal, o custo marginal começa por decrescer à medida que se aumenta a quantidade produzida, situação que se justifica pelo facto de existirem custos fixos que se diluem em quantidades maiores (é o chamado efeito de escala). Contudo, a partir de certa altura, os ganhos proporcionados pelo efeito de escala deixam de ser suficientes para contrariar os acréscimos de custos originados pelo aumento dos próprios custos variáveis, originando um aumento dos custos marginais. Este aumento dos custos variáveis é uma consequência direta da Lei das Produtividades Marginais Decrescentes cujos efeitos são tanto maior, quanto maiores forem as quantidades produzidas.

[3] http://www.techtudo.com.br/noticias/noticia/2014/10/test-drive-carro-feito-por-impressora-3d-circula-pelas-ruas-de-nova-york.html

[4] Para conhecer mais sobre a garagem Fab Lab SP http://garagemfablab.com.br/

 

Pedro Lula Mota

Economista pela UNICAMP, como passagem pela Universidade do Porto - Portugal. Admirador da arte da fotografia, principalmente de lugares extremos e excêntricos.

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