A crise econômica demanda estímulos?

A resposta é um sonoro NÃO.

“Como não??” Dirá você, um Keynesiano de quermesse, perplexo.

Ao seu lado estarão centenas, talvez milhares, que flertam continuamente com a ideia de aumentar os estímulos do Governo para animar a atividade econômica de um país em frangalhos. Há uma certa base de apoio de um certo partido que clama por isto.

Como bem disse Ilan Goldfajn[1], economista-chefe do Itaú Unibanco: “O momento é fértil para ideias salvadoras. Afinal, o mar não está pra peixe. A economia vai mal, a recessão não tem fim, o desemprego está em alta e as rendas caem. ”

O argumento de vocês é nítido: vocês não creem em reformas e o ajuste fiscal não será feito num cenário de recessão. A receita do governo responde muito ao ciclo da atividade e esta não irá renascer por si só, tal qual a ave fênix. Os empresários estão temerosos. Ao seu lado, os consumidores. Há a clara necessidade da figura de um salvador, que irá despertar o animal spirit dos agentes econômicos: o Governo.

Para uma boa parte de vocês, o ajuste fiscal trata-se de uma estratégia da elite financeira dominante para extrair a riqueza da nação. A turma do quanto pior melhor.

Portanto, mesmo diante da deterioração das contas públicas, deve-se elevar os gastos, aumentando investimentos e, se possível, abrindo mão de algumas receitas tributarias. O Estado-indutor deve agir, nem que seja para abrir e tapar buracos nas estradas.

Bem, eu tendo a discordar de você.

Desde 2011 o crescimento econômico vem desacelerando no Brasil, muito embora apenas no ano passado e neste que a economia, de fato, entrou em recessão.

A desaceleração pós-crise foi atenuada por diversas medidas de estímulos, que foram perdendo eficácia logo quando o endividamento das famílias atingia um elevado patamar, desestimulando-as a contrair novos empréstimos

[caption id="attachment_6424" align="aligncenter" width="511"]Fonte: Banco Central Fonte: Banco Central[/caption]

A máquina do consumo começava a emperrar e segue emperrada. O Governo entra em pânico, pois apertava o mesmo botão que vinha apertando desde 2006, mas os resultados não eram mais os mesmos. O desemprego atingia patamares muito baixos (até 2014, quando atingiu 6,6% conforme a PNAD), mas as famílias não consumiam mais.

[caption id="attachment_6425" align="aligncenter" width="548"]Fonte: Banco Central Fonte: Banco Central[/caption]

Além disto, a despeito das diversas medidas tomadas pelo Governo, na área fiscal e monetária, o investimento (Formação Bruta de Capital Fixo) não . Pelo contrário, ele adentrou em terreno negativo já em 2013, e completará em 2016 o quarto ano seguido de queda – mesmo com aumento dos gastos públicos. O ponto chave é a incerteza e insegurança dos empresários. Não basta só baixar os juros para despertar o animal spirit. O ambiente de negócios deve estar favorável e desde julho de 2013 (época das grandes manifestações) a confiança está declinando.

[caption id="attachment_6426" align="aligncenter" width="636"]Fonte: FGV e Contas Nacionais-IBGE Fonte: FGV e Contas Nacionais-IBGE[/caption]

A situação hoje é pior. A taxa de desemprego em trajetória ascendente e a inflação ainda pressionada impedem uma retomada pelo consumo. O aumento das incertezas, sobretudo no campo político, emperra qualquer atitude produtiva por parte dos empresários.

Sobrou apenas para o Estado-Indutor. Este, por sua vez, está com um rombo em suas contas, e qualquer gasto para estimular a economia viria através do tingimento de papel. A boa e velha emissão de moeda (após emissão de títulos). O efeito imediato seria devastador, com elevação do risco-país pelo aumento da probabilidade de insolvência do Estado. Tal movimento elevaria não só a taxa de câmbio, mas as taxas de juros para empréstimos. O resultado seria um aumento da inflação doméstica e um maior custo de captação pelas poucas empresas que hoje ainda tomam algum recurso emprestado. Assistiríamos uma nova rodada de recessão e de desemprego.

A certeza quanto à incapacidade do Governo aumentaria e a incerteza quanto ao futuro também.

Nos encontramos numa situação fiscal muito complexa, sendo que mesmo numa suposta retomada da economia (via setor privado ou público), a relação dívida/PIB continuaria muito alta. É preciso ter uma mudança estrutural muito importante em mente: a receita crescerá muito pouco.

Abusando de sua memória, devo lembrá-lo que desde a redemocratização, o aumento da carga tributária foi o mecanismo que possibilitou o contínuo crescimento do gasto. Com o boom de commodities, a formalização do mercado de trabalho e o aumento da renda, o crescimento da receita adquiriu uma dinâmica própria, expandindo mesmo na ausência de elevação da carga. E mais do que isto, a receita começava a crescer acima do PIB.

Pois bem, a situação agora é outra. Um estudo recente[2] (e de leitura obrigatória) nos mostra uma “quebra estrutural” na elasticidade arrecadação-PIB, refletindo o fim desse período de bonança.

O termo elasticidade arrecadação-PIB assusta, mas sua compressão não é difícil: trata-se de quanto aumento a arrecadação mediante o aumento do PIB. O exemplo no estudo comporta o período de 2000 a 2008 e tem uma elasticidade de 1,59. Em outras palavras, em média, durante esses 31 trimestres, para cada 1% de crescimento do PIB, a arrecadação crescia cerca de 1,59%. Isso minava a necessidade urgente de uma restruturação das despesas públicas.

Por sua vez, entre 2009 e 2015, a elasticidade arrecadação-PIB caiu para 0,98. Em outras palavras, para cada 1% de crescimento do PIB, a arrecadação teria um aumento menor, de 0,98%.

Há uma frase muito interessante no estudo e que resume muito bem a questão fiscal no passado recente “Não é exagero dizer que a alta e excepcional elasticidade entre a arrecadação e o PIB que vigorou na década passada mascarou o problema fiscal estrutural. Desta forma, deu a sensação à sociedade, aos políticos e aos policy makers de que era possível manter o ciclo de expansão do gasto”.

Assim, mesmo após a retomada do crescimento do PIB, as receitas do governo terão uma trajetória menos favorável do que antes, fortalecendo o debate e a necessidade de reformas fiscais importantes, como a tão falada reforma na Previdência Social.

Portanto, a utilização de estímulos por parte do Governo no presente momento terá efeito catastrófico e não desprezível. Por sua vez, mesmo após (sabe-se lá quando) a retomada do crescimento econômico, a arrecadação terá dificuldades para cobrir as despesas públicas, mantendo ainda difícil o cenário para estímulos no futuro.

Arthur Editor Terraço Econômico

[1] http://opiniao.estadao.com.br/noticias/geral,expanicidio-e-outras-ideias,10000001039

[2] “Arrecadação não deve mais voltar à excepcional fase pré-crise global” Luiz Guilherme Schymura, Doutor em economia pela FGV/EPGEVol.70 nº01 JANEIRO 2016 – Carta da Conjuntura

Arthur Lula Mota

Mestre em Economia Aplicada pela Universidade de São Paulo (USP/ESALQ) e Bacharel em Economia pela Universidade Federal de São Paulo. Já trabalhou no mercado financeiro, auxiliando mesa de operações de fundos institucionais e departamento econômico com análises macroeconômicas.

2 Comentários

  1. Então é só emitir moeda sem emissão de títulos. Mas de acordo com a CF, isso não é permitido (ainda que tal regra tenha sido produto de fraude constitucional).
    Seria então necessário derrubar a regra fraudulenta e depois partir para os investimentos em infraestrutura!
    Bom artigo!

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