Cooperativas: seriam elas o novo “tigre” das instituições financeiras?

Em abril viajei para aproveitar o feriadão. Quando cheguei à área de embarque do aeroporto, agi como de costume: comprei um exemplar do dia (último 18/04) do Valor Econômico para me entreter durante a ponte aérea. Na parte de finanças, o destaque era para o aumento de 15% do crédito cooperativo em 2017. Antes mesmo de pousar, eu já estava certo do tema do meu próximo artigo.

Como passo zero, vamos entender o porquê da escolha. No meu artigo anterior aqui no Terraço, em um dos parágrafos eu falo rapidamente da estrutura, mais precisamente da capilaridade e inclusão, ainda emergente, dos bancos no Brasil. O que eu percebi foi que existe uma alternativa que não passa pelos grandes bancos. Na época do artigo anterior, eu imaginava que a solução teria que passar por essas instituições, mas acabei concluindo que não necessariamente tem que ser assim. Nada mais trivial do que imaginar que o resultado seria justamente compartilhar essa alternativa com os leitores.

Agora vamos ao passo um: que tipo de instituição é essa? Bom, estou falando das Cooperativas de Crédito.Vamos começar de onde veio a oportunidade para o surgimento dessas instituições. Sendo assim, o leitor provavelmente vai concordar comigo que todos nós desejamos guardar nosso dinheiro em um lugar que preza pela segurança, credibilidade, com taxas competitivas e, no mínimo, civilizadas. Esse artigo chama a atenção para as Cooperativas de Crédito, que, na contramão do crédito bancário, tiveram expansão de 15% nos empréstimos concedidos em 2017 . Elas prestam serviços bancários, mas com uma diferença: não são bancos. Você, como muitos, provavelmente não conhecia esse ramo e/ou não sabe quem são os principais nomes no mercado. Isso é bastante compreensível, pois essas instituições foram até agora pouco citadas por jornalistas e ainda são incipientes no Brasil, possuindo uma fatia de apenas 4,6% dos depósitos do Sistema Financeiro Nacional (SFN) – o que na realidade corresponde a um bom crescimento, pois até 2016 a fatia era de apenas 3% .

Um dos momentos em que as cooperativas começaram a ganhar um pouco mais de atenção pode ter sido em 2013, ano em que a Sicredi (uma das maiores do setor) ganhou o Prêmio Relatório Bancário como “Banco do Ano” pelo uso de novas tecnologias . Outro ponto que, apesar de parecer clichê, ajuda a compreender a questão é a comparação da presença em outras nações. Países como EUA, Canadá, Alemanha e França possuem cerca de 30 de cada 100 pessoas com conta em uma cooperativa de crédito, frente aos, já apresentados no parágrafo anterior, 4,6% – aproximadamente 5 de cada 100 pessoas – no Brasil. Acho pertinente falar das mudanças recentes, como o fato de serem agora reguladas pelo Banco Central do Brasil e estarem assim sujeitas às regras do Acordo da Basileia. Bem resumidamente, são regras que visam proteger e dar suporte ao sistema bancário mundial.

Agora que já sabemos um pouco mais, é hora da pergunta que já deve estar na ponta da língua do leitor: na prática, o que as cooperativas oferecem de diferente? Trago informações interessantes. A mudança começa na política da instituição. Trata-se de uma sociedade de pessoas, e as diferenças com os bancos começam por aí, que esses são sociedades de capital . Isso é observado, por exemplo, nos lucros de cada instituição. Sabemos que o lucro dos grandes bancos seguem para os acionistas ou podem também ser reinvestidos na empresa, mas nunca têm como destino o cliente. Nas cooperativas, os lucros – chamados pelas próprias instituições também de “sobras” – vão para os clientes, aqui chamados de associados (chamá-los-ei assim daqui para frente). A postura dos executivos de cooperativas que eu observei nas matérias que li me agradou muito quando falam da preocupação com as comunidades nas quais as unidades estão inseridas . Percebi isso quando falam que também investem no desenvolvimento da região em que se inserem apoiando empreendimentos locais, que resultam na geração de empregos e renda para a população. Enxergo essa postura como uma preocupação adicional das cooperativas que não observamos em grandes bancos. Temos então um claro exemplo de que eles parecem ter conseguido entender que era necessária uma nova forma de interpretar a sociedade, e buscar vender não mais um produto/serviço que gere lucro para prestador, mas sim que realmente esteja alinhado às necessidades do associado.

Vou exemplificar o final do parágrafo anterior com o caso do agronegócio, que, segundo a matéria do Valor, apresenta-se como um ramo potencial para ser explorado pelo setor, e esse fato é ratificado pelos mais de 20% da fatia do agronegócio na carteira das maiores cooperativas. A reportagem diz que “… produtores e agroindústrias, sobretudo de polos precariamente atendidos por bancos tradicionais, têm recorrido cada vez mais a elas para financiar suas atividades.”

Por quê? Para começo de conversa, os produtores agrícolas estão julgando a opção como bastante atrativa, não apenas pelas taxas mais generosas oferecidas, como também devido ao modelo de negócio diferente, com a política de distribuição dos lucros para os associados e ao atendimento mais próximo e personalizado. Existe também uma tendência de aumento da produção agrícola brasileira, e dados mostram um ritmo forte de crescimento das safras nos últimos anos, além da taxa Selic a patamares bem mais baixos .

Não obstante, temos ainda o fator capilaridade: as cooperativas estão apostando forte em áreas anteriormente não exploradas pelos grandes bancos, não só construindo agências físicas mas também investindo em agências totalmente digitais como forma de democratizar e/ou facilitar o acesso . A matéria diz ainda que, um último ponto vantajoso para uma maior atenção ao agronegócio são os principais ramos dos clientes: grãos, cana-de-açúcar, hortifrútis e pecuária. Isso significa uma maior diversificação da carteira, e sabemos bem que o efeito é exatamente a proteção contra riscos.

Sabemos que nem tudo são flores, e as cooperativas também não fogem à regra. Essa política de relacionamento mais próximo do cliente parece muito boa – e acredito que seja mesmo -, mas não podemos esquecer as cifras a mais nas despesas. A matéria diz que “O índice de eficiência é superior a 60% (quanto menor o percentual, melhor), enquanto nos grandes bancos fica perto de 40%.”. Vale frisar, principalmente para quem não está acostumado com o termo, que, índice de eficiência serve para avaliar o quanto que uma empresa gasta para gerar receita. Tendo isso em vista, é importantíssimo lembrar que todo bom gestor tem que buscar equacionar custos, receitas e diferenciação do serviço no mercado, e nem preciso dizer que trata-se de um desafio imenso para todos. Por outro lado, as cooperativas entendem que chegaremos a um ponto em que transações financeiras passarão a ser commodities – e eu, particularmente, concordo com essa premissa -, e que por esse motivo, valerá muito mais do que atualmente insistir no relacionamento com as pessoas, afirmando assim o compromisso com o longo prazo.

Outro contraponto são as possíveis fraudes envolvendo essas instituições. Ainda não consegui identificar um sistema ou instituição que seja totalmente isento de corrupção no passado, presente e futuro – inclusive ficaria muito feliz (e levemente desconfiado também) se alguém me mostrar um caso desse. Sendo assim, todo cuidado é pouco. A minha visão sobre essa problemática é a seguinte: acredito que as cooperativas têm potencial de agirem como “mini bancos de desenvolvimento econômico e social”, exatamente por elas também fazerem parte das comunidades em que estão inseridas, formando assim uma relação ganha-ganha que as liga pelo desenvolvimento econômico e social da região. Temos, porém, uma importante diferença: essas instituições não são estatais. Onde eu quero chegar? A questão crucial para mim é a diferença do tamanho do rombo que uma fraude poderia causar em uma cooperativa de crédito se comparada a um rombo oriundo de fraude e/ou corrupção no BNDES. Falando em números, a matéria diz que em 2017 os empréstimos em todas as cooperativas chegaram a R$ 92,5 bilhões . Por outro lado, ainda em 2014, o BNDES desembolsou R$ 187,8 bilhões . Essa é a diferença. O prejuízo causado por um eventual rombo torna-se menor – caso ocorra em uma instituição – se os empréstimos forem diluídos em instituições menores e descentralizadas.

Eu não poderia encerrar este artigo sem responder a dúvida que vários leitores devem estar tendo neste exato momento: Eduardo, devo me tornar um associado então? Minha resposta é: depende. Esse é o tipo de questionamento que obrigatoriamente passa pelo autoconhecimento. Quem é você? Qual é o seu orçamento? Tem o próprio negócio? Se sim, qual negócio? Onde você mora? Quais são seus planos? Se o leitor já tiver as respostas em mente, podemos seguir para o próximo passo.

Neste momento, acho válido mencionar o que um amigo e orientador me disse uma vez: “In God we trust. Everybody else shows data” (Tradução: Em Deus nós confiamos. Todo o resto deve trazer dados). Quero dizer que a tomada de decisão necessita de uma comparação entre as taxas dos produtos financeiros oferecidos pelas diferentes instituições financeiras. Os números não mentem; na realidade são nossos conselheiros nessas horas.

Quer mais uma dica? Se, financeiramente falando, uma cooperativa for mais atrativa, pesquise muito sobre a instituição e sobre sua credibilidade . É mais fácil com grandes bancos, por estarem mais presentes nas notícias e por haver mais conhecidos que os utilizam. Porém, ainda assim é possível achar notícias sobre a conduta e a política da cooperativa da qual o leitor pretende se tornar um associado. Todos esses detalhes são cruciais para qualquer tomada de decisão, inclusive saber o que são cooperativas. Espero ter ajudado.

Quer ler o artigo do Valor Econômico? Clique aqui.

No dia anterior o Valor havia publicado um outro artigo do mesmo tema, que também serviu como fonte para esse texto. Você pode acessá-lo clicando aqui.

Acha que as fintechs também se enquadram como uma alternativa? Caso sua resposta seja sim, saiba que eu concordo. Se quiser saber mais sobre, recomendo outro artigo do Terraço.

Links interessantes:

https://www.youtube.com/watch?v=9PvK67NDSvk

https://www.youtube.com/watch?v=2UVmT0rMTVA

https://www.youtube.com/watch?v=jp6nJa2Vz4c

https://www.youtube.com/watch?v=tsm3nhLD4Jo

http://economiasemsegredos.com/acordo-de-basileia-o-que-e/

http://economia.estadao.com.br/noticias/geral,entenda-basileia-1-2-e-3-imp-,1065224

https://www.youtube.com/watch?v=eXV_-7VnbFE

http://cooperativismodecredito.coop.br/2018/04/sicoob-chega-a-marca-de-quatro-milhoes-cooperados/

http://cooperativismodecredito.coop.br/2018/04/com-r-62-bilhoes-em-ativos-sistema-cecred-teve-crescimento-de-22-em-2017/

http://cooperativismodecredito.coop.br/2018/04/standard-poors-atribui-rating-ao-banco-cooperativo-sicredi/

   

Eduardo Scovino

Estuda Engenharia Química na UERJ e é outro economista de coração. Já trabalhou em Operação no meio fabril, mas acabou se rendendo ao jargão “It’s the Economy, stupid!”. Dentre as principais causas que defende, estão a Economia de Mercado, a Destruição Criativa, Finanças Pessoais e Reciclagem. Acredita ainda que é possível uma solução que englobe essas duas últimas. Nas horas vagas, também é remador, frequentador de shows de metal e está sempre pronto para uma roadtrip.
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