Canalhice econômica: o poder da marreta (parte 1)

- Essa meta aqui está meio marretada! - Não, não está! Veja, cumprimos a meta! – Essa meta aqui está meio marretada! – Não, não está! Veja, cumprimos a meta![/caption]

No dia 28 de Setembro, a Fundação Perseu Abramo (ligada ao Partido dos Trabalhadores) divulgou o primeiro volume do intitulado “Por um Brasil justo e democrático” que dedica um capítulo a propostas para o país sair da recessão e voltar a crescer. O documento pode ser acessado na íntegra aqui.

No capítulo chamado “Agenda do curto prazo: mudar para sair da crise” o documento apresenta uma dura crítica ao ajuste fiscal (que não aconteceu) e revela algumas propostas de políticas econômicas para tirar o país do buraco. A sessão mais “interessante” do documento         se refere às lições da experiência internacional e traz alguns pontos hilários sob o ponto de vista econômico.

Uma das características da canalhice econômica é querer mudar as métricas de avaliação quando não se atinge o resultado satisfatório numa métrica pré-estabelecida. Ou tentar desviar o debate dos resultados para discutir os conceitos após a adoção deles para balizar a política econômica. Basicamente o que você fazia quando era criança e tirava nota vermelha no boletim e dizia: mas mãe, o Joãozinho tirou menos que eu e a professora não gosta de mim!

Com a política fiscal fora dos parâmetros estabelecidos pela Lei de Responsabilidade Fiscal (violada em 2014) e com a inflação persistentemente acima da meta de 4,5% ao ano, o que fazer? Trabalhar para adequar o gasto público às receitas? Dar autonomia ao Banco Central para manter a inflação baixa? Não, não! Mudemos as métricas avaliação como nas propostas a seguir:

3.1. REGIME FISCAL: ESTABELECER “BANDAS” E PRAZOS MAIS AMPLOS

A ideia de se estabelecer uma banda para o resultado fiscal do governo pode parecer sensata. Afinal, flutuações no produto podem ocorrer e comprometer a meta de superávit primário.

Porém, após anos de maquiagem na contabilidade nacional e de aumento do gasto público beirando (as vezes nem mais beirando) a ilegalidade, qual seria o efeito esperado caso uma banda fosse estabelecida entre 1% e 2% do PIB para o superávit primário? Exatamente, o governo perseguiria o 1% e não os 2%. Se gastamos mais e driblamos a lei para isso, imagina se a lei permitir maior gasto público com a desculpa de “flutuações” inventadas nos gabinetes do planalto?

3.2. RETIRAR OS INVESTIMENTOS DO CÁLCULO DA META DO SUPERÁVIT PRIMÁRIO.

A proposta é descontar os investimentos do cálculo do superávit primário, com o argumento de que investimento gerará receita futura e se pagará. Novamente a proposta pode parecer sensata num primeiro momento, mas o investimento deve ser financiado por alguma fonte…receita tributária ou dívida. Atualmente, o investimento público federal se encontra na casa dos 1.5% do PIB. A dedução deste valor do cálculo do superávit primário abriria espaço para aumento da despesa corrente.

E ai, como financiaríamos o investimento público necessário? Com maior endividamento? Seria preciso combinar com os russos (os poupadores, nesse caso) para ver se estarão dispostos a emprestar para o governo investir.

Naturalmente, mesmo se descontássemos o investimento público, a situação fiscal não ficaria melhor. Comparemos o resultado primário corrente (isto é, descontando o investimento) com as receitas correntes para sermos justos.

Abaixo o gráfico:

[caption id="attachment_4766" align="aligncenter" width="865"]Fonte: Tesouro Nacional [2] Fonte: Tesouro Nacional.[/caption]

Não parece que o investimento afetará muito o resultado do governo já que a deterioração das contas públicas a partir de 2009 se deve às despesas correntes. Mais um ponto para a canalhice econômica que tenta mascarar a falta de controle com o gasto público com uma marreta.

3.3 ALTERAR O ANO CALENDÁRIO DO REGIME DE METAS DE INFLAÇÃO (RMI)

A proposta concreta é aumentar o prazo de convergência da inflação de 12 para 24 meses. Ou seja, o Banco Central teria 2 anos para entregar a inflação na meta ao invés dos atuais 12 meses.

É bem verdade que diversos países adotam uma meta mais longa e até utilizam outras métricas, como inflação expurgada dos efeitos cambiais, mas aqui mais uma vez a proposta somente serve para aumentar o grau de canalhice econômica.

O regime de metas de inflação no Brasil admite flutuações dentro de uma banda de 2 pontos percentuais para mais e para menos, justamente para acomodar choques temporários e não comprometer o trabalho do Banco Central. Ou seja, caso a autoridade monetária não consiga atingir os 4,5% em Dezembro, ainda há margem para entregar até 6,5% e está tudo bem.

Assim, a proposta novamente é um embuste para justificar a incompetência e a falta de credibilidade da política econômica. Não foi entregue a meta, as expectativas se desancoraram e ao invés de trabalhar para retomar o que vínhamos fazendo corretamente, muda-se o discurso para a flexibilização da meta.

O gráfico abaixo ainda mostra que, desde 2009 o IPCA fica insistentemente acima do “centro da meta”. Será que ainda não deu tempo para convergir? Vejamos: de 2014 menos 2009 dá 5 anos. E se aumentarmos o período de convergência para 6 anos?

[caption id="attachment_4765" align="aligncenter" width="865"]Fonte: Banco Central do Brasil [3] Fonte: Banco Central do Brasil.[/caption]

3.4. CALCULAR A INFLAÇÃO PELO NÚCLEO DE PREÇOS

Finalmente a proposta de se utilizar não o IPCA, mas o IPCA sem itens sobre os quais a política monetária tem pouco efeito, como preços internacionais, por exemplo, o chamado IPCA Núcleo.

Apesar de já termos certa flexibilidade no regime de metas de inflação, a insistência em mudar a métrica quando não atingimos a meta é mais um ponto para a canalhice econômica. E vejamos então o comportamento do índice que nossos brilhantes economistas querem adotar:

[caption id="attachment_4764" align="aligncenter" width="865"]Fonte: Banco Central do Brasil [3] Fonte: Banco Central do Brasil.[/caption]

Exatamente o que você pensou: ele segue o mesmo comportamento do IPCA e desde 2009 fica insistentemente acima da meta de inflação estabelecida em 4.5% ao ano. Mais uma para a canalhice econômica, utilizando conceitos mágicos que não encontram respaldo nos dados.

Ainda não acabou, semana que vem tem mais uma parte de propostas econômicas canalhas que visam somente a mascarar a incompetência da equipe econômica que nos colocou no momento que estamos, confiando em conceitos bem mandraques e apelando para choramingos ao invés de sentar a bunda na cadeira e fazer a lição de casa.

palhuca  

Leonardo Palhuca

Doutorando em Economia pela Albert-Ludwigs-Universität Freiburg. Interessado em macroeconomia - política monetária e política fiscal - e no buraco negro das instituições. Escreveu para o Terraço Econômico entre 2014 e 2018.

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