A profissão de economista está condenada a desaparecer?

“Os economistas previram nove das últimas cinco recessões.”

Frase atribuída a Paul Samuelson

 

“Ela [a Raça Humana] sempre esteve à mercê de forças econômicas e sociais que não entendia… sujeita ao clima e aos resultados da guerra. Agora as Máquinas as entendem, e ninguém pode impedi-las, já que as Máquinas vão lidar com essas forças como estão lidando com a Sociedade… tendo, como de fato têm, a maior das armas à sua disposição: o controle absoluto da nossa economia.”

Trecho do livro “Eu, robô”, de Isaac Asimov

Há uma piada segundo a qual o economista seria um profissional pago para adivinhar coisas erradas sobre a economia. Outra piada, quase tão sem graça quanto a primeira, diz que o economista é um especialista que saberá amanhã por que as coisas que previu ontem não aconteceram hoje.

Em minha defesa – e de meus colegas de profissão –, alego que antever o futuro é uma atividade deveras ingrata, visto que o rumo da economia depende de uma infinidade de variáveis, todas interligadas umas às outras, muitas delas simplesmente imprevisíveis.

Por outro lado, também em nossa defesa, gostaria de lembrar que toda e qualquer decisão financeira requer análise de mercado e elaboração de cenários. A não ser que seguir o aconselhamento de economistas se prove pior do que tomar decisões aleatoriamente, ainda teremos garantido o nosso espaço no mercado de trabalho.

Sim, é verdade, há também aquela máxima do Roberto Campos segundo a qual haveria três maneiras de o homem conhecer a ruína: a mais rápida seria pelo jogo; a mais agradável, com as mulheres; a mais segura, seguindo os conselhos de um economista…

Enfim, seja como for, ainda temos nosso espaço nos bancos, nas corporações, nas consultorias, no setor público, estamos todos os dias nos jornais decifrando as altas e baixas dos mercados, apontando os rumos da economia e auxiliando as famílias e as empresas em suas cada vez mais complexas decisões de consumo, poupança e investimento. Por algum motivo, seja ele qual for, ainda existe demanda pelos nossos serviços.

Porém, até quando?

Por força do hábito, refém que sou deste exercício rotineiro de tentar prever o amanhã, tenho acompanhado, atento e atônito, o debate a respeito do futuro das profissões – da de economista, em especial – diante do avanço da tecnologia e da inteligência artificial. Estaríamos nós, economistas, ameaçados de extinção?

Se tomarmos como referência as distopias futuristas de Isaac Asimov, a resposta é “sim”. Em “Eu, robô”, por exemplo, o escritor nos apresenta um futuro em que máquinas desempenham com perfeição o papel da mão invisível de Adam Smith, do leiloeiro de Walras, numa distopia que transforma em realidade a fantasia dos modelos econômicos de equilíbrio geral.

Para delírio dos economistas neoclássicos… os quais, porém, provavelmente já estariam extintos, assim como todos os demais profissionais da área, uma vez que, na obra de Asimov, as máquinas, cuja capacidade de analisar e calcular é muito superior à dos seres humanos, alocam os recursos escassos de forma eficiente, de acordo com os interesses da sociedade.

No futuro apresentado pelo escritor, as máquinas compreendem plenamente o funcionamento do sistema econômico, de uma forma nunca alcançada pelos economistas, e passam a ter controle total da economia, aparentemente encontrando equilíbrio entre equidade e eficiência – alocações eficientes não necessariamente são consideradas justas e redistribuição, por sua vez, pode implicar perda de eficiência – em uma espécie de ditadura benevolente capaz de atender aos anseios da humanidade – os quais nem a própria humanidade parece compreender exatamente quais são.

Entretanto, são justamente o dilema da equidade e da eficiência e o teorema da impossibilidade de Arrow – segundo o qual não existe um mecanismo de escolha social capaz de agregar preferências individuais e, a partir delas, criar uma preferência coletiva que seja racional – que ainda me fazem acreditar no futuro da profissão.

De fato, grande parte das atividades dos economistas, especialmente as técnicas, que envolvem análise e projeção de indicadores, poderão facilmente ser substituídas por robôs muito mais competentes.

Chego a desconfiar, porém, que não é exatamente a qualidade das análises e a precisão das projeções que, mesmo hoje, garantem prestígio aos economistas. Afinal, fosse isso verdade, profissionais que erraram bisonhamente suas previsões, apostaram no Ibovespa em 200 mil pontos e disseram que o Brasil não tinha mais como dar errado estariam desempregados a esta hora, e não com palestras lotadas e colunas nos principais jornais e revistas do país.[1]

O que, então, garantirá trabalho e prestígio aos economistas?

Em primeiro lugar, o fato de que, apesar dos avanços da inteligência artificial, o futuro, no futuro, provavelmente continuará incerto.  Se no mundo antigo os homens consultavam o oráculo de Delfos para conhecer o amanhã, em uma sociedade cada vez pautada pelo dinheiro e pelas leis do Deus Mercado, os economistas devem continuar desempenhando seu papel de oráculos e intérpretes da vontade divina.

Em segundo lugar, o fato de que as discussões econômicas servem não apenas para informar e auxiliar a população na tomada de decisão, mas também para entreter e divertir, aspecto cada vez mais relevante na civilização do espetáculo, para usar o termo que dá nome ao livro do escritor Mario Vargas Llosa.

Ok, mas por que os economistas, e não as máquinas?

Principalmente porque, no futuro, provavelmente ainda existirão conflitos distributivos, quase sempre ocultos nos debates pretensamente científicos a respeito da melhor forma de organizar a sociedade e o sistema econômico. A encenação dos economistas quase nunca está apenas a serviço da informação e do entretenimento dos espectadores. As ciências econômicas, é preciso reconhecer, muitas vezes servem apenas para dar ares científicos ao que não passa, na verdade, da mera defesa de determinados interesses e ideologias.

O que há de técnico na atividade do profissional, como modelagem estatística, simulação de impactos econômicos ou análises de custo e benefício, por exemplo, poderá ser realizado com muito mais propriedade pelas máquinas, sem dúvida. Quando não houver melhorias de Pareto a serem realizadas, porém, a definição de quem ganha e quem perde ainda se dará (assim espero) pelo jogo democrático, onde os economistas devem continuar a desempenhar um papel importante não necessariamente de análise, mas, principalmente, de convencimento.

Para que haja equilíbrio neste jogo, por sinal, deveria valer a Primeira Lei dos Economistas – para cada economista sempre existe um economista igual e oposto –, a qual não vem sendo respeitada na imprensa e nas universidades…[2]

Embora muitos não aceitem, a verdade é que, em diversos momentos, em termos de atuação profissional, o economista está muito mais próximo do advogado do que do engenheiro. Esta proximidade, por sinal, só tende a se estreitar à medida que, nas atividades técnicas, sejamos substituídos por robôs.

Deve ser por isso que, de acordo com os pesquisadores Carl Frey e Michael Osborne, da Universidade de Oxford, os economistas correm um risco de apenas 43% – e não de 99% – de desaparecerem. De acordo com o estudo, que analisou 702 profissões segundo a probabilidade de perdas de postos de trabalho devido aos avanços tecnológicos, atividades que demandam criatividade, interação social, capacidade de perceber a reação das pessoas e entender suas causas, de negociar, reconciliar e persuadir têm menor probabilidade de serem informatizadas.

Temos, assim, razões para acreditar que, embora muitas das atividades técnicas dos economistas possam vir a serem substituídas pela inteligência artificial, seus papéis de oráculo, entertainer e lobista – cada vez mais amparados pelas máquinas, é verdade – devem manter sua importância no admirável mundo novo.

A não ser, é claro, que o pensamento único tome conta de todas as esferas da vida humana e aos economistas reste, então, apenas o papel de missionários da nova fé… será?

Entre um relatório Focus e outro, contudo, penso cá com meus botões: se mal conseguimos acertar uma previsão para a taxa Selic, seríamos mesmo capazes de antever o futuro – quiçá o desaparecimento – da nossa profissão?

Pouco importa. Afinal, é da natureza do nosso trabalho fazer previsões, conjecturas e especulações; concordar, discordar, duvidar; apostar, acertar e errar.

Trabalho este que realizaremos pelo menos até um dia em que a sociedade se entregue de corpo e alma à religião do Deus Mercado e adote, enfim, a eficiência econômica como valor social supremo, quando, aí sim, todos – e não apenas os economistas – já teremos sido integralmente substituídos por robôs.

 

* Agradeço ao amigo jornalista Marcelo Henrique Gimenes Vieira pela ótima conversa sobre o livro “Eu, robô”.

Vitor Augusto Meira França é economista pela USP, onde também cursou Letras, mestre em Economia pela FGV-SP e professor universitário.

[1] O documentário “O Brasil deu certo. E agora? ”, de 2013 – sim, apenas quatro anos atrás –, ganhou ares de comédia pastelão diante da atual conjuntura.

[2] Segunda Lei dos Economistas: eles estão ambos errados.

 

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